Este romance de José Saramago, de 1995, lembra O Dia das
Trífides de John Wyndham, cuja tradução foi publicada em Lisboa em 1962, na
Colecção Argonauta. Há quem lembre também “A escuridão”, conto de André
Carneiro (1963), que incluí na minha antologia Páginas de Sombra (2003).
Todas essas histórias de “a humanidade ficou cega” percorrem caminhos
parecidos, às vezes previsíveis, inevitáveis, pois as situações são basicamente
as mesmas. O que importa é o que cada
autor consegue extrair delas.
Saramago mostra uma cegueira que é branca. Não uma cegueira
de trevas, mas de luz, que lembra o testemunho de Jorge Luis Borges: “O preto é
uma das cores que fazem falta a um cego. (...) Para mim, que estava acostumado
a dormir no escuro, foi bastante incômodo, por muito tempo, ter que dormir
nesse mundo de neblina esverdeada ou azulada e vagamente luminosa que é o mundo
do cego.”
O núcleo de personagens principais se cria em torno do
episódio inicial. Um homem fica cego ao volante; outro conduz seu carro e o
deixa em casa, mas logo em seguida rouba o carro do que ficou cego, e mais
adiante cega também. O “primeiro cego”, como passa a ser chamado, vai se
consultar com um oftalmologista, e este consultório será o centro de propagação
da cegueira, porque atinge os demais pacientes, todos com algum problema nos
olhos: a rapariga de óculos escuros (como se trata de uma garota de programa, o
termo português não destoa), o velho com a venda no olho, o menino
estrábico. Guiados pelas mulher do
médico, que por alguma razão não cegou, são eles a constelação de luzes
apagadas que iremos seguir até o capítulo final.
O livro não diz nenhum nome próprio: nem de pessoa, nem de
lugar, nem de produto. É mais uma tentativa (tem havido muitas, ultimamente) de
romance que evita dizer onde se passa. Ouvimos falar em prédios, consultórios,
supermercados, quartéis, praças, e não vemos um nome sequer. Tudo que se conta
neste livro (e que automaticamente visualizamos em Lisboa, por ser português o
autor) poderia ter acontecido em Campina Grande.
Os primeiros cegos são trancafiados num manicômio
desativado, e ali seguem-se episódios de sujeira e violência que lembram o Anjo Exterminador de Buñuel, lembram as memórias de campos de concentração.
Saramago é um escritor de viés pessimista, chamado de “sal-amargo” por mais de
um resenhador. O mais admirável é o modo como ele consegue tornar plausíveis,
numa situação espantosa e desumanizadora como esta, os pequenos gestos de
solidariedade dos seus personagens. As pequenas coragens, pequenas compaixões,
compreensões e gentilezas: as últimas coisas humanas que se extinguirão.
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