(ilustração: Inferno The Royal)
Fosse Zoza um caba fraco, já tinha dado um tiro na cabeça.
Porque não sei não, mas é multidão demais pruma cabeça só. Não é todo mundo que aguenta passar o dia
argumentando com tanta gente. Por exemplo. Zoza acorda às três da tarde, tem um
boleto que vence hoje, e tem que pegar o Banco aberto antes das quatro. Na verdade, ele nem sequer “lembra”. Já
acorda com dois ou três gritando: “Zoza! Vagabundo! Isso é lá hora! Toma um
banho, veste uma roupa decente, a conta venceu!
Bora, campeão, sejas foda, corre lá senão é mais dez por cento!” Zoza cambaleia, esfrega água fria, derrama
água fervendo, beberica sem açúcar enquanto se veste. A vinte metros do banco
brota-lhe do íntimo outra multidão que o insulta. “Lacaio do capital!” Todos
exigem dele uma moral, uma Ética, uma teoria verossímil do homem hodierno. Zoza explica: o boleto etc. Não o perdoam. O banco fecha. Olha aí Zoza, parado na
calçada, olhando o muro e pesando os prós e os contras de admitir que tudo aquilo
aconteceu.
Zoza mora numa pensão onde a dona, paga em dia, nem se
interessa. Para ela nada está além da imaginação. Se alguém desembarcar seu
galeão no continente virgem da alma dela, vai encontrar a dez metros da costa
um posto de gasolina, uma borracharia, uma lanchonete-bar e um puteiro, todos da mesma dona. Ela não quer nem saber. Não liga se você responde com outra voz, se
seu olho faísca, porque ela inclusive é uma pessoa de mentalidade moderna,
aberta. Você pagando, e pagando em dia,
pode ser, ter, fazer – o que bem quiser. Para a dona da pensão, um esquizofrênico
em dia é melhor do que um sadio atrasado.
Zoza era expulso das pensões. Grupos revoltados o conduziam mentalmente
aos arrastos, com ele gritando: “Não!
Não pago um centavo! A humanidade
me deve isto!” Zoza se espantava com o
próprio atrevimento, mas cedo descobriu que algumas donas de pensão não só
acreditavam na sua conversa de “Diálogo Psico-Astral com uma Raça Superior”,
como davam a isso um valor maior que ele próprio. A única raça superior em que
Zoza acreditava era pegar, e cráu!
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