A literatura é uma atividade individual, solitária. Em nossa cultura, um romance com dois autores chama a atenção, tanto quanto um quadro pintado por dois pintores diferentes. Há um consenso de que a criação artística se dá num recesso tão íntimo e remoto que não há como duas pessoas acessarem as mesmas idéias ou emoções, ou as mesmas habilidades técnicas.
Sempre me perguntei por que a literatura não faz como a
música popular. Fulano faz uma melodia, e quando está pronta ele a entrega a
Sicrano para que coloque ali uma letra. Ou, no caso inverso, Beltrano escreve
uma letra e dá para Fulano musicar. Assim trabalharam duplas famosas de
músico/letrista, não só da MPB (João Bosco / Aldir Blanc, Baden Powell / Paulo
César Pinheiro, etc.) como da música internacional (Rodgers / Hammerstein,
Gilbert / Sullivan, etc.).
Há também o caso das duplas versáteis, em que ambos fazem
música e letra, como Lennon / MacCartney. O que não se altera é o senso de
criação compartilhada, de um trabalho conjunto que nem por isto deixa de ser
individualíssimo. Claro que é preciso
haver um entendimento e um respeito muito grandes, para superar todo o desgaste
da criação conjunta (“não gostei disso que você fez, é melhor tirar e fazer de
novo”), mas em música ninguém estranha a criação em parceria.
Penso nisto sempre que vejo alguém tocar na eterna dicotomia
da prosa de ficção: os escritores de enredo e os de estilo. Os primeiros são grandes inventores de
histórias interessantes, mas escrevem de maneira pobre, fosca, cheia de
clichês, etc. Os segundos têm uma criatividade
verbal impressionante, mas são incapazes de imaginar uma história que não seja
repetição banal do déjà-vu e do déjà-lu.
Por que não trabalham em parceria, um inventando e o outro
escrevendo? Roteiristas de cinema fazem
isso o tempo todo. Parece que esse tipo de parceria só vinga na ficção popular,
como o romance policial, e volto ao meu exemplo preferido. Ellery Queen é o
pseudônimo de uma dupla de autores, onde Frederick Dannay preparava resumos
detalhadíssimos, de 20 ou 30 páginas, com todos os detalhes importantes da
história, e os entregava a Manfred Lee, que de posse deles dava vida aos
personagens, aos diálogos, às situações, às emoções.
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