Muitos centenários ilustres sendo comemorados este ano
(Albert Camus, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, para não falar no meu pai, Seu
Nilo, e em seu/nosso amigo “Seu” Brasil). Quase deixei escapar o de uma das
figuras mais talentosas e insólitas dentro da ficção científica. Cordwainer Smith era o pseudônimo de Paul
Linebarger (1913-1966) para sua obra de FC, da qual apenas uma parte foi
publicada em vida.
Seus contos (não li os romances) mostram um futuro remoto em
que pilotos de espaçonave ligam-se telepaticamente a gatos para absorver a
energia necessária aos saltos no hiperespaço, e tecnologias extraordinárias
permitem aos povos do futuro reconstituírem a cultura de uma época remota (a
nossa) e viver nessas simulações. Os títulos dos seus contos têm uma poesia única, inconfundível: “Alpha Ralpha Boulevard”, “The
Ballad of Lost C’Mell”, “The Dead Lady of Clown Town”, “Golden the Ship Was –
Oh, Oh, Oh!”, etc.
Seu pai morou na China e colaborou na revolução republicana
que destronou o “Último Imperador” (o do filme de Bertolucci). Ele próprio
tornou-se oficial do exército dos EUA e voltou a morar na China, onde trabalhou
com o serviço de inteligência. Seu livro Guerra Psicológica (1948) é
considerado um clássico do gênero. A edição brasileira (Biblioteca do Exército,
1962) tem esta interessante epígrafe do autor: “O gênero humano seria
certamente melhor se todos os homens do mundo fossem um pouco mais brasileiros
do que o são hoje”.
É um dos “grandes autores pouco lidos” da FC. Seus contos
são humanistas, e têm uma visão ética das situações extremas de um conflito
militar ou social. São criações notáveis seu “Underpeople” (animais
artificialmente evoluídos à forma humana, versão benigna das criações de Wells
em A Ilha do Dr. Moreau), a Instrumentalidade do Homem (uma elite
político-científica que governa os mundos), e as diferentes drogas
(“santaclara”, “super-condamine”) que ele emprega ora como vício ora como
alívio do sofrimento. Certa vez ele levou as filhas pequenas ao México e lhes
mostrou as pirâmides de Chichen Itzá, onde havia sacrifícios humanos, e os
murais de Siqueiros, para mostrar-lhes a medida da dor humana.
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