sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

3080) Alegria de pobre (11.1.2013)






Tempos atrás, durante um trabalho que fiz para TV, vi dezenas de entrevistas com estrangeiros que vivem no Brasil ou que conhecem bem nosso país.  Perguntava-se a eles por que motivo gostavam do Brasil, dos brasileiros, o que achavam que havia de especial em nossa terra.  Algumas respostas repetiam-se, com insistência.  Uma delas era que os brasileiros são geralmente alegres, “inclusive os pobres”, diziam eles com espanto.

O que faz pessoas muito pobres serem alegres? E a questão não é apenas serem pobres, é estarem mergulhados em outros problemas, resultantes ou não da pobreza: doença, violência, etc. Ainda assim, uma grande parte dessas pessoas (claro que não são todas) consegue, no meio dos problemas, rir, brincar, dizer piadas ao longo do dia, reunir-se para cantar, dançar, etc.  Visitantes que vêm de países mais ricos e mais soturnos ficam perplexos diante dessa aparente alienação. Já ouvi comentários tipo “se não passassem o domingo tocando violão e bebendo cachaça, talvez já estivessem numa situação financeira muito melhor!”. Pra vocês verem o quanto gente rica pode ser obtusa.

Acho que esses pobres descobriram uma coisa elementar: o nosso estado de espírito (alegria ou tristeza) resulta em grande parte de uma decisão nossa. É decisão nossa ficar alegre ou ficar triste. Como quem diz: “Já que estou lascado, pelo menos vou ficar alegre durante algum tempo, pra desgraça não ser completa”. E ficam de fato alegres, mas não devido ao violão e à cachaça. Ficam porque escolheram. Por outro lado, um sujeito mais “bem de vida”, com casa própria, com poupança, bem de saúde, etc., pode perder o emprego e ficar em depressão, mesmo sem problemas urgentes batendo à sua porta. A depressão é também uma decisão sua, mesmo que seja uma decisão meio inconsciente. Ele está mergulhado numa ética meio calvinista, de que “o trabalho enobrece”, de que nossa existência se define pelo trabalho que executamos. E quando o cara está sem trabalho sente-se inferiorizado, amputado, impotente. E para ele a reação moralmente correta é entristecer-se com isso. No Japão, p.ex., acontece muito.

Tanto alegria quanto tristeza podem estar embutidas em nossa cultura coletiva, podem ser consideradas reações normais numa cultura e moralmente condenáveis em outra. Num indivíduo, claro, podem ser influenciadas por fatores genéticos, pelos distúrbios da química interna de cada um. Mas em grande parte derivam do fato de que certas culturas consideram a alegria uma resposta legítima a uma situação difícil e impossível de resolver pela própria pessoa; e outras culturas louvam a tristeza como uma resposta mais honrosa, mais moralmente nobre.



3 comentários:

Ana disse...

Deve haver uma equação para isso :)
Bom dia.

Kyanja Lee disse...

O seu último parágrafo sintetiza com precisão a maneira como a alegria/felicidade/gozo é valorizado(a), em contraposição à tristeza/infelicidade/sofrimento, nas diferentes culturas. Eu mesma, como venho de uma cultura diferente da brasileira, sofro com essa dicotomia entre "pegar leve" e "pegar pesado".
E já conheci uma senhora bastante pobre, que driblava a sua falta de recursos simplesmente mudando os parcos móveis de lugar. Às vezes era o fogão que ocupava o lugar do sofá; o sofá que trocava de lugar com a cama. E, com esses pequenos rearranjos, eu sentia que ela se contentava.
Excelente análise, Bráulio!

Webston Moura disse...

Muito interessante tudo isso, Bráulio! Mas hoje essa alegria está muito anexada a situações de consumo e padrões mais delicados, digamos assim. Exemplo: antes, para festejar com amigos, bastava cachaça, que é um produto popular e barato. Hoje, só se quer cerveja e a pé ninguém anda mais. Pouco a pouco, o mercado vai industrializando essa natural alegria. Assim, ela pode diminuir, como o tempo.