quarta-feira, 7 de setembro de 2011

2655) O filme que se ensina (7.9.2011)




(Gandalf e Bilbo)

O filme Julgamento em Nuremberg de Stanley Kramer (1961) mostra o famoso julgamento dos criminosos de guerra nazistas. Os juízes, advogados, testemunhas, etc. eram de nacionalidades diferentes, e usavam fones de ouvido com tradução simultânea. Isso é mostrado no começo do filme. Quando um americano fala em inglês, a tradutora repete em alemão, o alemão escuta, responde, outra tradutora repete em francês, outro advogado escuta, responde... É assim nos primeiros minutos do filme. Depois, o diretor presume que o público entendeu a mecânica da coisa; e os tradutores e fones de ouvidos desaparecem. Para que o filme possa fluir.

Na trilogia O Senhor dos Anéis de Peter Jackson várias raças se misturam: homens, hobbitts, elfos, anões, orcs... Diante dos hobbits, todos baixinhos, um humano é quase um gigante. Ora, o diretor escolheu atores de estatura normal para todos esses personagens, apenas ligeiramente mais atarracados uns, mais compridos outros. No filme A Irmandade do Anel (2001) há uma cena em que o mago Gandalf (Ian McKellen) conversa com Bilbo (Ian Holm) na casa deste. Nesse momento, um efeito especial indica que Gandalf tem ter mais do dobro da altura de Bilbo. Vemos e registramos; daí em diante essas diferenças vão se atenuando. Ao invés de usar os tais efeitos pelo restante do filme (o que iria complicar ainda mais um filme já complicado de fazer), Jackson mostra os diferentes tamanhos dos personagens apenas no início. Para que o filme possa fluir.

São códigos que fazem parte da realidade mostrada no filme mas que, por economia narrativa, não podem ficar sendo mostrados o tempo inteiro. Os diretores mostram aquilo no começo, e, depois que o espectador entendeu do que se trata, omitem esse aspecto, que fica apenas subentendido no resto do filme.

Um filme pode, se necessário, conter dentro de si instruções para a decodificação da própria obra. Pode explicar em sua parte inicial qual o código de leitura específico que vai exigir, sem que o cineasta tenha um papel paternalista ou didático, e sem que o espectador seja obrigado a “engolir uma apostila”. Algumas realidades descritas num filme são especiais, e o diretor deve fazer uma rápida educação do público nos minutos iniciais: “Olha, isso aqui precisa ser interpretado assim e assim...” Feito isto, a demonstração pode desaparecer, e o filme pode fluir. Aliás, podemos extrapolar esse princípio e dizer que os minutos iniciais de qualquer filme esteticamente mais ambicioso são exatamente isso: um pequeno curso, ou tutorial, sobre como ler corretamente esse filme que já está acontecendo diante dos nossos olhos.

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