segunda-feira, 26 de abril de 2010

1958) É permitido proibir (18.6.2009)



Houve um tempo em que nas revistas masculinas as fotos de mulheres nuas só podiam mostrar um mamilo. Se fossem dois, a foto seria proibida. Socorro-me dos psicanalistas: por que um mamilo não é pornográfico, e dois o são? Proibições muitas vezes acabam chamando atenção para o que tentam proibir. O filme Laranja Mecânica esperou anos para ser liberado no Brasil, e quando o foi teve suas cenas de nu acompanhadas por bolinhas pretas ocultando as imagens de “genitália desnuda” que havia no filme. Esta invenção surreal dos censores brasileiros levou muita gente ao cinema só para dar risada, e foi objeto de comentários irônicos em outros países. A cena em que Alex e seus “drugues” arrancam as roupas de uma mulher para estuprá-la – com a vítima nua, correndo atarantada de um lado para o outro – era uma gargalhada só, todo mundo histérico diante do nervosismo da bolinha preta que pulava de fotograma em fotograma, tentando cobrir as partes pudendas da coadjuvante.

São proibições supérfluas, meramente pró-forma, como aquelas estreitas faixas pretas que cobrem os olhos dos “di-menor” nas matérias policiais. Em tese, isto é feito para preservar sua identidade; mas se eu visse qualquer conhecido meu “protegido” por um barramento tão exíguo ninguém me impediria de reconhecê-lo. É como dizer: “O acusado do crime é o menor J.C.F.S., que mora na Rua Rio Azul, número 42, no bairro da Bela Vista”. Belo modo de proteger a identidade de alguém.

A melhor maneira de burlar censuras e proibições é omitir a palavra proibida, mas revelá-la pelo contexto. Como na piada do português, dono de bar, que proibiu que se contassem piadas de português no seu boteco. No dia seguinte, um dos engraçadinhos começou a contar assim: “Era uma vez dois japoneses, um se chamava Manuel, o outro Joaquim...” Artistas fazem isso desde que a censura foi inventada.

A história da Censura no Brasil está cheia de episódios pitorescos, muitos deles ridicularizando a ignorância e a truculência dos censores, como aqueles que queriam mandar prender “um tal de Sófocles” autor de uma peça proibida. Mas talvez a Censura às artes seja o setor em que fica mais claro uma característica das ditaduras que é o modo aleatório como ela se manifesta. Mesmo que adotando métodos aparentemente profissionais e técnicos (torturadores treinados em academias de tortura norte-americanas, etc.) a ditadura é um processo que acontece às cegas, no varejo. Ordens genéricas são baixadas para que seja proibida toda expressão de idéias marxistas-leninistas. Como poucos executantes dessas ordens têm idéia do que seja isto, acabam proibindo e perseguindo às cegas, às tontas, e desse modo não apenas os culpados, mas também os inocentes correm riscos. Foi esse aspecto desinformado e “perdidão” dos próprios perseguidores que Kafka soube captar. Um não sabe por que está sendo preso, e o outro não sabe por que está prendendo.

Um comentário:

Brontops Baruq disse...

Você vai gostar deste clipe que tem a ver com esta postagem:

http://www.youtube.com/watch?v=6hi99JdeBeY

David Byrne & FatBoy Slim

Abs