terça-feira, 19 de janeiro de 2010

1540) O som de Godard (19.2.2008)



Estilo é algo que está em tudo que um artista faz e que você não encontra, daquele jeito, em nada feito por outra pessoa. Muitas vezes a gente não sabe pôr o dedo em cima e dizer o que caracteriza o estilo de Fulano ou Sicrano. Com um pintor, às vezes a gente pensa que são os temas, mas subliminarmente o que se impressiona são as cores. Com um cantor, a gente pensa que é o timbre da voz, mas é o jeito de dividir as sílabas. E assim por diante. O que nos pega no estilo de Fulano é muitas vezes algo que nossa mente percebe e decodifica intuitivamente, sem refletir, porque estamos com nossa atenção consciente fixada noutra coisa. Isso acontece muito com artes de entretenimento como a música, como o cinema. A gente está grudado nas ações dos personagens e não percebe que está percebendo os movimentos da câmara.

Para mim uma das coisas que marcam o estilo de Jean-Luc Godard, ou pelo menos do Jean-Luc Godard dos filmes entre 1959 e 1967 (o que prefiro, embora ele tenha feito bons filmes depois) é a sua maneira totalmente anticonvencional de usar o som. Vendo um filme de Godard estamos muitas vezes presos à história, ou ao charme dos atores. Ou estamos tentando fazer sentido de uma narrativa feita com cortes bruscos e seqüências que não seqüenciam as anteriores. E o tempo todo é a trilha sonora que nos invade lateralmente e nos dá aquela esquisita sensação de “estar vendo um filme de Godard”.

Diz-se que o primeiro filme feito por Godard com som direto foi Uma mulher é uma mulher (1961). Nos anteriores (Acossado, 1959; O pequeno soldado, 1960), talvez para simplificar o tedioso processo de sonorização, sincronização, mixagem, etc., ele desenvolveu uma maneira anti-convencional de tratar o som. Em numerosas cenas Godard elimina todos os ruídos de uma cena movimentada e deixa apenas um piano ao fundo. Vemos um casal conversando e não ouvimos o que dizem; carros passam, motoristas apertam a buzina, portas se abrem e fecham, e tudo que nos é dado escutar é aquele piano melancólico como se fosse um filme mudo passado nos antigos cinemas, com um pianista entediado ou distraído que não se preocupasse em adequar sua trilha sonora àquilo que passava na tela.

Godard é também um mestre da narração em “off” simultânea, ou seja, o personagem está descrevendo uma cena que está ocorrendo ali, diante dos nossos olhos. O rapaz faz uma pergunta à moça, e em seguida ouvimos sua voz, em “off”, dizendo: “Ela acendeu um cigarro e perguntou por quê”. E no instante seguinte ela faz exatamente isto. Em “O pequeno soldado”, a história é um longo flash-back, contada em “off” pelo protagonista; mas é típico de Godard essa maneira de fazer o passado tornar-se presente através da ação direto, enquanto que o tempo presente (o da voz que conta a história) fica superposto à ação do filme, como nesses DVDs em que nos é dada a opção de ver o filme escutando ao mesmo tempo os comentários e as explicações do diretor.

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