Acabei de ler o volume 1 deste álbum de quadrinhos (São Paulo: Ed. Conrad, 2006), em que o fotógrafo Didier Lefèvre conta sua viagem pelos desfiladeiros do Afeganistão, acompanhando uma caravana dos Médicos Sem Fronteiras. A primeira coisa que chama a atenção é a concepção visual do álbum (que tem textos e desenhos de Emmanuel Guibert, diagramação e cores de Fréderic Lemercier), misturando fotos e desenhos. Lefèvre fotografava a expedição o tempo inteiro, mas os intervalos entre as fotos, bem como as cenas não fotografadas, são contadas pelos desenhos de Guibert. Existe uma continuidade agradável entre as fotos e os desenhos, que são minimalistas, e em momento algum tentam parecer-se com fotografias. Concentram-se nos enquadramentos, angulações e iluminação, dizendo tudo com poucos recursos.
Os Médicos Sem Fronteiras viajam clandestinamente pelo Afeganistão, mas afinal, todo mundo que viaja por lá é clandestino. A história ocorre em 1986, na época pré-Bin Laden, quando o país estava sob invasão russa, e as caravanas corriam risco de bombardeios aéreos. Os autores explicam num único quadrinho assuntos fascinantes e complexos. Como se esconder de um helicóptero inimigo? Como cumprimentar muçulmanos – que gestos são esperados, que gestos são proibidos? Como urinar no meio de um grupo de afegãos? Como embalar medicamentos para que não se pulverizem no transporte? Qual a diferença entre o povo do Nuristão e o do Badaquistão? Como escalar um desfiladeiro na escuridão total? Como negociar cavalos?
As fotos de Lefèvre são em geral muito boas, e é pena que muitas delas apareçam apenas sob a forma de contatos. As paisagens do Afeganistão são impressionantes, e os autores preferem descrevê-las com seqüências de fotos parecidas, umas ao lado das outras. Eles ampliam algumas das melhores fotos, mas são poucas, como a magnífica foto da capa, em que um menino, entre um grupo de afegãos, olha para cima como se contemplasse gigantes. É um raio-X instantâneo de um civilização masculina, rude, violenta, muito diferente do mundo ocidental, e, em muitos aspectos, profundamente sertaneja.
O quadrinho-documentário (se podemos chamá-lo assim) tem um belo futuro. Há coisa que só o desenho pode fazer, como retratar uma cena em que não havia uma câmara presente. Há outras que só a foto. No final do livro, um estribeiro afegão se perde no escuro, é dado como morto, e reaparece depois de ter caminhado sozinho e com fome no rastro da caravana. As fotos do seu rosto magro e de seus olhos transfixados pelo medo da morte, com “a expressão de um fantasma”, valem uma medalha de ouro. O mundo retratado é complexo, surrealista, sem reduções preconceituosas sobre a vida oriental. A integração entre médicos franceses e líderes tribais afegãos é improvável, tensa, instável, mas funciona. O Fotógrafo (vêm mais dois volumes por aí) cria para nós uma “realidade enriquecida”, além da ficção e além do jornalismo.
Os Médicos Sem Fronteiras viajam clandestinamente pelo Afeganistão, mas afinal, todo mundo que viaja por lá é clandestino. A história ocorre em 1986, na época pré-Bin Laden, quando o país estava sob invasão russa, e as caravanas corriam risco de bombardeios aéreos. Os autores explicam num único quadrinho assuntos fascinantes e complexos. Como se esconder de um helicóptero inimigo? Como cumprimentar muçulmanos – que gestos são esperados, que gestos são proibidos? Como urinar no meio de um grupo de afegãos? Como embalar medicamentos para que não se pulverizem no transporte? Qual a diferença entre o povo do Nuristão e o do Badaquistão? Como escalar um desfiladeiro na escuridão total? Como negociar cavalos?
As fotos de Lefèvre são em geral muito boas, e é pena que muitas delas apareçam apenas sob a forma de contatos. As paisagens do Afeganistão são impressionantes, e os autores preferem descrevê-las com seqüências de fotos parecidas, umas ao lado das outras. Eles ampliam algumas das melhores fotos, mas são poucas, como a magnífica foto da capa, em que um menino, entre um grupo de afegãos, olha para cima como se contemplasse gigantes. É um raio-X instantâneo de um civilização masculina, rude, violenta, muito diferente do mundo ocidental, e, em muitos aspectos, profundamente sertaneja.
O quadrinho-documentário (se podemos chamá-lo assim) tem um belo futuro. Há coisa que só o desenho pode fazer, como retratar uma cena em que não havia uma câmara presente. Há outras que só a foto. No final do livro, um estribeiro afegão se perde no escuro, é dado como morto, e reaparece depois de ter caminhado sozinho e com fome no rastro da caravana. As fotos do seu rosto magro e de seus olhos transfixados pelo medo da morte, com “a expressão de um fantasma”, valem uma medalha de ouro. O mundo retratado é complexo, surrealista, sem reduções preconceituosas sobre a vida oriental. A integração entre médicos franceses e líderes tribais afegãos é improvável, tensa, instável, mas funciona. O Fotógrafo (vêm mais dois volumes por aí) cria para nós uma “realidade enriquecida”, além da ficção e além do jornalismo.
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