Por falar em coincidências, temos que prestar atenção nas pessoas que constroem complicados sistemas interpretativos do mundo baseados nelas.
Exemplo um: o pessoal que fica relendo e reinterpretando os versos de Nostradamus (que era uma espécie de Augusto dos Anjos renascentista) e acreditando que ali estão profecias de tudo, desde a morte de Kennedy até o pênalte que Zico perdeu contra a França.
Exemplo dois: os exegetas do chamado Código da Bíblia, em que o sujeito faz permutações de letras com versículos da Bíblia e encontra textos que valem como profecias de tudo, desde o atentado ao World Trade Center até a cabeçada de Zidane em Materazzi.
Simetrias aparecem nos lugares mais improváveis. Os anagramas, por exemplo – frases cujas letras misturamos, obtendo uma frase completamente diferente.
Certas pessoas fazem anagramas de nomes próprios como uma arte divinatória, uma espécie de Tarô: “Farei um anagrama do teu nome, e dir-te-ei quem és”.
No útil e prazeroso livro Palindromes and Anagrams de Howard W. Bergerson (Dover, 1973) existem exemplos que nos dão o que pensar – todos no idioma inglês, claro. O nome de “Miguel de Cervantes Saavedra” fornece o anagrama “Gave us a damned clever satire” (“Deu-nos uma sátira danada de esperta” – referência ao Dom Quixote, claro).
“William Shakespeare” pode ser anagramado em “We all make his praise” (“todos nós fazemos sua louvação”).
Até com títulos de obras literárias obtemos resultados surpreendentes. É o caso de “Ivanhoe, by Sir Walter Scott”: basta misturar as letras e obtemos “A novel by a Scottish writer” (“um romance de um escritor escocês”).
Se eu fosse um cara místico, já tinha fundado uma religião baseada nisso.
Anos atrás eu estava me correspondendo com um amigo que gostava de investigar anagramas, e comentei que o filme de Luís Buñuel L’Âge d’Or (“A Idade de Ouro”) poderia ser anagramatizado em inglês sem perder o sentido: “Gold Era”. Somente depois de mandar minha carta me dei conta de que o nome do meu correspondente, Geraldo (...Pires e Albuquerque), era também um anagrama de ambos os títulos.
Os anagramas exprimem nossa personalidade? Talvez. O melhor que já fiz do meu próprio nome foi: “Tu és ar, bar, viola” – que talvez não me defina por completo, mas descreve com acurácia o que foi minha vida dos 20 aos 50 anos.
Pois bem – todo este arrazoado irrelevante é para tentar demonstrar que simetrias podem ser obtidas das maneiras mais diferentes, porque o número de elementos que manipulamos (as 23 letras do alfabeto) não é tão grande assim, e a possibilidade de recombiná-las acaba nos conduzindo a caminhos previsíveis.
“Anagrams”, em inglês, nos dá “Ars Magna” (“grande arte”) em latim. O que é isso? Um sinal dos deuses? Não, apenas isto: somos obstinadamente capazes de recombinar elementos até percebermos que eles se encaixam numa forma que faz sentido. E nada nos reconforta tanto quanto qualquer coisa que parece fazer sentido.
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