(O fim do sem fim)
Um dos melhores documentários que vi este ano, já comentado nesta coluna (23.10.2007), foi O fim do sem fim, filme de Lucas Bambozzi, Beto Magalhães e Cao Guimarães. É um filme sobre profissões em declínio: lanterninha de cinema, calígrafo, fotógrafo lambe-lambe, etc. Com ótimas entrevistas, bem editadas, o filme tem uma fotografia e uma edição que tiram a secura jornalística da abordagem, criando uma atmosfera narrativa em que chegamos a pensar ser aquilo um filme de ficção com personagens aleatórios e que não se relacionam uns com os outros.
Por mais que o filme seja satisfatório (para mim é plenamente) ele reforça uma idéia preconcebida que continua vigorando sobre o documentário, a de que ele existe para preservar, “resgatar”, registrar coisas antigas e em via de desaparecimento. Basta ver a idéia que o chamado “público em geral” tem sobre documentário. Já vi alguém responder à pergunta “O que é um documentário?” dizendo: “Documentário é um filme nacional curto, entrevistando gente velha e pobre”. É um daqueles casos de uma resposta totalmente errada e totalmente correta.
O filme dos três cineastas paulistas me sugeriu a possibilidade de fazer o seu contrário. Um filme talvez intitulado “O começo do sem começo”, registrando profissões que não existiam há alguns anos e que agora existem; profissões que surgiram de repente e que a gente ainda não sabe no que vão resultar. Alguém sabia o que era um webmaster em 1990? Outros exemplos: acupunturista, “personal trainer”, atividades que entraram na moda de alguns anos para cá. Temos casos mais extravagantes, como “psiquiatra de cães” e outras profissões que gravitam em torno dos muito ricos. Na verdade, basta circular no meio dos muito ricos para descobrir inúmeras profissões novas, pois onde quer que o dinheiro se acumule a sua força gravitacional irá atrair gente esperta, interessada em transferi-lo para os seus próprios bolsos. E também circular entre gente pobre. Se nossa criatividade é estimulada pela perspectiva de ganhar um milhão de reais, o mesmo ocorre com quem precisa descolar cem reais no fim do mês, senão morre.
O cinema documental serve para captar essas transformações no momento em que estão acontecendo. São atividades humanas que surgem de maneira inesperada, fixam-se na vida de alguns grupos durante alguns anos, e depois desaparecem quando as condições econômicas ou os modismos sociais voltam a mudar. Documentá-las enquanto existem é tão legítimo e importante quanto documentar o mico-leão dourado, o boto cor-de-rosa e outras espécies ameaçadas de extinção. Em síntese, o documentário não é apenas arqueologia, não serve apenas para resgatar o passado ou nos trazer informação sobre atividades que deixaram de existir. Ele faz o mesmo com o presente, ele capta essas camadas passageiras de que o presente é feito, e que nós imaginamos que serão eternas, porque temos a mania de imaginar que tudo que existe agora existe para sempre.
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