sábado, 2 de janeiro de 2010

1466) “A Montanha Sagrada” (24.11.2007)


Está em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio (vai depois para São Paulo e Brasília) o “Festival Alejandro Jodorowski”, em homenagem ao escritor e cineasta chileno, radicado na França. Jodorowski já foi chamado de “a Contracultura de um homem só”, pela sua atividade múltipla. O pessoal que me chama de “multimídia” devia prestar atenção nesse rapaz, que dirige filmes, escreve livros e roteiros de quadrinhos, bota cartas de Tarô, faz sessões de Psico-Magia, dirige e atua no teatro, compõe as próprias trilhas sonoras, e ainda encontra um jeito de ser especialista em misticismo oriental, ocultismo, sexo tântrico, etc. Foi parceiro de Fernando Arrabal, Jean Cocteau, Moebius e muitos outros, e amigo de roqueiros como John Lennon e Marilyn Manson.

Na abertura do Festival foi exibido A Montanha Sagrada, filme produzido por Allen Klein, ex-empresário dos Beatles, com dinheiro fornecido por John Lennon e Yoko Ono. O filme foi filmado em 1973 no México, e é ambientado num desses universos latino-americanos surrealistas que tantas vezes encontramos nos filmes de Glauber Rocha ou nos livros de Garcia Márquez, Lezama Lima ou Carpentier. É uma sucessão de imagens chocantes, absurdas, poéticas, violentas ou grotescas, enquanto a câmara acompanha a peregrinação de um homem nu, que lembra vagamente Jesus Cristo, ao longo de uma metrópole repleta de cadáveres, massacres políticos e turistas endinheirados que filmam a própria esposa sendo currada pelo Exército local. Há uma cena espantosa, o “Grande Teatro de Sapos e Camaleões”, em que estes animais encenam (vestidos a caráter), numa maquete, a destruição do império asteca pelos europeus.

O filme de Jodorowsky lembra muitos as obras do chamado “cinema udigrudi” que se praticava no Brasil naquela mesma época, os filmes anárquicos e desconexos de Rogério Sganzerla, Julio Bressane, Neville d’Almeida e muitos outros, além dos delírios alegóricos com que vários cineastas do Cinema Novo (Glauber, Nelson Pereira, Jabor, Cacá Diegues, etc.) procuravam desconcertar os censores, notoriamente incultos e pouco inteligentes. Há constantes referências ao LSD, ao misticismo oriental, ao rock, o que leva Jodorowsky mais para o lado udigrudi; mas seu filme é caro inclusive para os padrões do Cinema Novo da época. Dizem ter custado 750 mil dólares, o que era bastante dinheiro na época. O pessoal que fazia “udigrudi” no Brasil trabalhava com um décimo disto, ou um centésimo (como no recentemente comentado Hitler 3o. Mundo, 29 de setembro).

Não é de admirar, pela incessante inventividade visual e de roteiro (ainda que numa estética datada) que Jodorowsky tenha conseguido 2 milhões em financiamentos para filmar Duna, o clássico da FC. Também não é de admirar que o projeto tenha sido tirado de suas mãos depois que o dinheiro evaporou. Seu cinema é uma mistura de cinema de arte, cinema “exploitation” e filme B, uma mistura única e que ainda nos ensina muita coisa.

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