sábado, 14 de novembro de 2009

1364) A história de J T Leroy (28.7.2007)


(J. T. Leroy?)

Falei aqui recentemente sobre os “fantasmas escritores”, que não são o que em inglês se chama de “ghost writers”. Meu artigo era sobre os escritores mediúnicos como Chico Xavier ou Zíbia Gasparetto, pessoas que crêem na doutrina espírita de que a alma é imortal e pode se comunicar com os vivos. Esses escritores entram em transe, recebem (dizem eles) o espírito de escritores já falecidos e produzem novas obras literárias.

Nos tribunais americanos está rolando um processo judicial envolvendo a obra autobiográfica do escritor J. T. Leroy, que estreou em 2000 com o livro Sarah (publicado no Brasil pela Geração Editorial), onde contava sua infância sofrida como filho de uma prostituta de beira de estrada que atendia caminhoneiros. Leroy cresceu e tornou-se também garoto de programas, atendendo aos fregueses de sua mãe. A história era arrepiante, cheia de uma verdade pungente. O livro ficou famoso, vendeu pra caramba, teve os direitos adquiridos para o cinema... a trajetória habitual dos sucessos nos EUA. Aí descobriu-se que era tudo invenção. J. T. Leroy não existia: era a invenção de uma escritora chamada Laura Albert.

Os produtores do filme sentiram-se lesados. Julgavam estar comprando uma história autobiográfica; se os fatos do livro eram ficção, aquilo mudava tudo. Mas aí Laura Albert foi mais fundo. Revelou que J. T. Leroy era na verdade um “alter ego”, uma dupla personalidade real, alguém que tinha existência própria e vivia dentro de sua mente. Sua mãe testemunhou, no tribunal, que a filha tinha graves depressões, foi internada várias vezes, e era de uma timidez patológica: chegou a ficar três anos sem sair do quarto. Nesse quadro de neurose e desepero, J. T. Leroy emergiu (diz a escritora) como um respiradouro, uma válvula de escape. E foi ele quem passou a se comunicar com o mundo, por escrito.

Notem bem: a sra. Albert não alega estar captando o espírito de alguém que morreu. Tecnicamente, trata-se do contrário: alguém que nasceu dentro dela, sem ter tido uma existência corpórea. A psiquiatria trata isto como caso de “dupla personalidade”, e os exemplos na história médica são numerosíssimos. O que isto tem de interessante para a literatura é o fato de que pessoas provavelmente incapazes de escrever um livro por conta própria conseguem fazê-lo quando imaginam que são outra pessoa, seja essa pessoa um autor famoso como Balzac ou Eça de Queiroz (já “canalizados” por médiuns brasileiros) ou um autor fictício como J. T. Leroy.

A dissociação psíquica e a divisão literária da personalidade podem ser um processo consciente, deliberado, sob controle: está aí “Fernando Pessoas” que não me deixa mentir. A vida e a obra de Zíbia Gasparetto, Laura “J. T. Leroy” e Pessoa (com seus heterônimos) são talvez diferentes facetas de um mesmo processo de criação de uma “voz literária”, que deveria ser tratado pela ciência e pela crítica literária com uma percepção mais ampla do que realmente ocorre.

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