terça-feira, 11 de agosto de 2009

1195) O avião na esteira rolante (11.1.2007)


(Ilustração: Carlos Magno "Maninho")

Sou um leigo quase total em ciências físicas, o que não me impede de admirar à distância as façanhas dos que as praticam, assim como admiro as façanhas dos ginastas ou nadadores olímpicos via TV. Nunca estudei Física, Química ou Biologia no colégio, pois sou do tempo em que a gente podia optar pelo Curso Clássico ou pelo Curso Científico (claro que optei pelo Clássico). Talvez venha daí, com um certo paradoxo, a minha admiração por estas disciplinas. Porque nunca tive que virar noites estudando mecânica-dos-fluidos ou cadeias-de-aminoácidos e precisando de 7 na prova final. Poupado destes traumas, vejo a Ciência como um mundo de assombrosos mistérios que -- como é grande o poder da Natureza! -- admitem respostas, desde que conheçamos as regras e os processos.

No saite BoingBoing os leitores estão engajados desde dezembro na discussão de um problema simples de Mecânica que me deixa meio embasbacado. Não porque o problema seja difícil; à primeira vista parece fácil. Mas porque os leitores têm se dividido em dois grupos antagônicos, ambos cobertos de argumentos para defender suas respostas. O problema proposto é o seguinte. Suponhamos que um avião comum está pousado sobre uma imensa esteira rolante que tem a largura e a extensão de uma pista de decolagem. O avião liga os motores para dar aquela taxiada inicial, rolar pela pista e levantar vôo. O problema é que a cada distância que ele percorre para a frente a esteira rola o-mesmo-tanto no sentido oposto. O avião conseguirá ou não decolar?

Quem quiser ver a discussão no saite pode ir para: http://www.boingboing.net/2006/12/11/airplanetreadmill_pr.html. Das dezenas de "posts" que li me pareceu que o avião pode, sim decolar. Não me pergunte por quê. O mais importante não é apenas o veredito de sim ou não. É a quantidade de fatores ocultos que estão em jogo. As diferentes possibilidades de atrito entre a esteira e as rodas do avião. O limite de aceleração possível da esteira. O atrito (desprezível, ou não?) dos rolamentos internos das rodas. A natureza da propulsão do jato. As diferentes aplicações da Segunda e da Terceira Lei de Newton. E por aí vai.

Um poeta, desses que se limitam a tirar o chapéu quando cruzam com um cientista na rua, dirá: "Ah, que besteira, esses caras perdem horas discutindo o sexo-dos-anjos". Data vênia, nobre colega! Discutir a possibilidade de um avião decolar em condições fora do comum é algo que pode salvar centenas de vidas, mais cedo ou mais tarde. Em circunstâncias excepcionais (ou seja, num acidente) um piloto tem que já ter pensado nesses assuntos, para poder tomar uma decisão rápida. A vantagem de discutir Ciência é que essa discussão pode salvar nossa vida um dia. A vantagem de discutir Poesia é que de Poesia ninguém morre, então consideremo-la como nosso playground, nossa hora-do-recreio, nossas férias-remuneradas.

Um comentário:

Cynthia Dorneles disse...

O que há de mais lindo na poesia é sua falta total de utilidade.

Chega de mundo útil. Chega de objetividade besta.

Salve o poeta!