quinta-feira, 4 de junho de 2009

1072) O declínio do improviso? (23.8.2006)




(Sebastião da Silva e Louro Branco)

Durante vários anos, quando morava em Campina Grande, trabalhei no Congresso Nacional de Violeiros, realizado pela Associação de Repentistas e Poetas Nordestinos, com o apoio do Museu de Arte da então Universidade Regional do Nordeste (atual UEPB). 

Um congresso de violeiros é um festival em que duplas de cantadores sobem ao palco, durante meia hora cada uma, para improvisar versos sobre assuntos sorteados na hora. Uma comissão julgadora atribui notas, as duplas classificadas nas eliminatórias retornam na noite final, quando as mais bem classificadas ganham prêmios.

A tarefa da comissão julgadora é difícil e ingrata. Mas não o é menos a da Comissão de Seleção, da qual eu geralmente fazia parte. Cabe a ela selecionar os assuntos e os motes que serão sorteados. 

Assuntos e motes bem escolhidos podem ajudar os poetas. Não é fácil subir num palco, de viola ao pescoço, cumprimentar a platéia e o locutor, e em seguida ouvir este dizer: “Agora vamos à apresentação desta dupla, John Lennon e Paul MacCartney. Primeiramente, eles cantarão sete minutos em sextilhas sobre o tema... (abre um envelope pardo, pede a um dos cantadores que escolha ao acaso lá dentro, entre dezenas de outros, um envelope menor, lacrado, tira dali um papelzinho datilografado, lê)... ONDE ESTARÁ OSAMA BIN LADEN?... Palmas para a dupla!” 

Aí eles se postam junto aos microfones, ponteiam as violas durante um minuto, e começam a improvisar.

Essa é a raiz da Grande Arte nordestina. O cara ser capaz de fazer versos sobre um assunto proposto na hora. Ou glosar um mote. O locutor diz: “E vamos anunciar o mote em decassílabo a ser glosado pelos poetas. O mote é: (pega e lê): O TEU CORPO ENCANTOU O MEU OLHAR / TUA ALMA ALEGROU MEU CORAÇÃO”. E os caras começam. 

Não podem trazer o verso decorado de casa. Os envelopes estão todos misturados, e a única maneira de escolher o que vai cair é a coisa ser desonesta. Quando eu trabalhava com isto, os motes eram escolhidos pelos membros da comissão, datilografados, envelopados, e colocados no tal envelope pardo que durante as 72 horas seguintes ficava embaixo do meu braço, porque eu não queria correr riscos. Já cheguei a dormir com o envelope embaixo do travesseiro. 

E é claro que quando caía um assunto que a dupla achava desagradável, diziam logo que era perseguição, que aquele tema ou aquele mote tinha ido para eles de propósito, etc. e tal.

Nos últimos anos, ouço falar em Festivais de Violeiros onde os temas e motes são informados com dias de antecedência, para que os poetas tenham tempo de preparar material. Estou considerando seriamente a possibilidade de me tornar cantador. Escrevendo e decorando, meu amigo, eu não abro nem pra Otacílio Batista ou Pinto do Monteiro! 

Quero ver é fazer na hora, como esses dois faziam, e como fazem tantos outros dos dias de hoje – aos quais cabe manter viva a Grande Arte, ou ajudar a transformá-la num simples apêndice menor da MPB.






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