Não, coleguinhas, não foi uma gralha tipográfica nem um vírus internético que interferiu no título. Esse troço aí em cima é uma palavra. Para ser mais preciso, uma palavra alemã que está na raiz da Filosofia mundial.
Chamem-me de paleozóico, mas quando eu tinha vinte anos não líamos um suplemento literário ou uma crítica de cinema sem que esta encartolada palavra surgisse à porta do texto, bengala em punho, imponente como uma estátua de bronze.
“Weltanschauung” era livremente traduzida por “visão do mundo”. Era algo que todo cineasta tinha que ter, todo poeta tinha que ter, e mesmo nós, imberbes cineclubistas e leitores, nos sentíamos obrigados a ter – e nos desesperávamos por temer que não tivéssemos.
Vai ver que era por isso (pensava eu, coçando a cabeleira revolta que me valia ser chamado de “Cabeludo do Amazonas!” quando passava na Rodoviária) que as garotas não queriam saber da gente, e só saíam com aqueles caras ao volante dos Karman Ghias. Não dava mesmo para concorrer: eles tinham um Karman Ghia, e nós não tínhamos uma Weltanschauung.
Cada povo tem sua visão do mundo. Muitas vezes usa-se o termo Weltanschauung para se referir a um conjunto de crenças religiosas e de teorias políticas. Sem desprezar a importância dessas duas dimensões mentais, é preciso perceber que tanto os indivíduos quanto as sociedades parecem possuir uma espécie de gramática básica que impregna todo o seu modo de enxergar a realidade.
Existem, por exemplo, culturas lineares, onde se tem como natural que os acontecimentos (desde a existência individual até a do Cosmos) sigam uma linha evolutiva, um percurso do tipo começo-meio-fim; e existem culturas cíclicas, onde se vê o mundo como um incessante renovar dos mesmos processos.
Estas diferentes visões do mundo, na Cosmologia moderna, resultaram nas duas principais hipóteses sobre a criação do Universo: a do Big Bang, em que tudo teve um começo e deverá ter um fim (hipótese predominante hoje), e a do “steady state”, ou “estado estacionário”, em que o Universo tem uma existência permanente, mas se expande e se contrai como se estivesse pulsando.
Grandes artistas são aqueles cuja obra nos transmite a impressão de que eles têm uma visão do mundo própria, uma maneira profunda e peculiar de entender o que está à nossa volta.
Essa visão pode ser lúgubre e pessimista como a de Samuel Beckett, pode ser lúdica e apaixonada pelo mundo como a de Julio Cortázar, irônica e introvertida como a de Machado de Assis, circense e exuberante como a de Fellini, analítica e sagaz como a de Brecht.
Artistas assim não se impõem apenas pelo talento que demonstram possuir, mas pelo fato de que mesmo as suas obras menos bem acabadas, os seus momentos mais medíocres, estão todos no mesmo tom das suas melhores obras. A obra, como um todo, em seus melhores e piores momentos, expressa uma concepção pessoal sobre o mundo, a existência humana, e o papel que estamos desempenhando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário