segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

0676) A poesia marginal (19.5.2005)



Nos anos 1970-1980 houve um movimento de poetas jovens que, diante das dificuldades que encontravam para ter seus livros publicados nas grandes editoras, decidiram publicar e divulgar os livros por conta própria. Muita gente chamou a isto “Poesia Independente”, o que me parece uma descrição satisfatória; mas alguns grupos de poetas chamavam o movimento de “Poesia Marginal”, e o que isto rendeu de polêmicas não está no gibi.

Para mim era muito claro. Chamava-se poesia marginal porque estava à margem da corrente principal da literatura, daquilo que em inglês chama-se de “mainstream”. A imagem embutida neste conceito é de que a literatura oficial é como um rio onde alguns conseguem colocar suas canoas para que este os leve; e que quem não consegue fazê-lo vai ter que ir a pé, pela margem. “Margem”, para quem tem cultura literária, também lembra de imediato o conceito das margens de um livro, local onde muita gente gosta de fazer anotações. Daí o título de “Marginália” que se dá a muitas obras de literatura que consistem em pequenas notas, comentários curtos, fragmentos, lembretes, indagações...

Vai daí que os poetas chamavam a si próprios de “poetas marginais”... e a imprensa e a sociedade consideravam isto um escândalo. Porque para os de fora do mundo literário, “marginal” é quem vive à margem da sociedade, é bandido, criminoso. Quando eu chegava num programa de TV e dizia, com esta minha incurável inocência, que era um “poeta marginal”, era como se estivesse dizendo que era um “poeta assassino” ou “poeta estuprador”. Não é de admirar que ninguém comprasse meus poemas filosóficos.

É preciso ter cuidado com os rótulos que escolhemos. Os músicos de choro, por exemplo, ficam danados da vida quando alguém diz que eles tocam chorinho, ou que são músicos de chorinho. Acham que o diminutivo envolve um certo paternalismo não isento de desdém – é como dizer “um forrozinho, um sambinha”... Digam “choro”, colegas, para não correr o risco de uma gafe. Outro rótulo que sempre me pareceu inofensivo foi o de “forró universitário”, que se usa muito no Rio e São Paulo para designar esses grupos de jovens estudantes, urbanos, que fazem faculdade e que querem compor e cantar forró, como é o caso do grupo Falamansa. Para mim é uma descrição adequada, mas certa vez ouvi um forrozeiro da velha guarda reclamar: “Eles são o forró universitário, e nós somos o que? O forró analfabeto?!” É preciso cuidado, porque calos todo mundo tem.

Perguntem a esses milionários e zés-ricos que tocam nos rodeios se eles gostam de ser chamados de “duplas caipiras’. De jeito nenhum. Tem que ser “dupla sertaneja”, se bem que no frigir dos ovos até eu sou mais sertanejo do que esses caras, com seus helicópteros, suas Pajeros e suas canções texanas. Mas eles acham que “caipira” são os sertanejos pobres, e é preciso traçar uma linha deixando bem claro quem é quem. Às vezes a gente pensa que está elogiando um cara, e está chamando ele justamente do que ele menos gosta de escutar.

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