Discute-se por aí a pobreza criativa da indústria cultural, mas nem sempre as críticas são dirigidas para o alvo certo. Há um texto de Walter Benjamin, “A Obra de Arte na Época de Sua Reprodutibilidade Técnica”, que coloca os aspectos principais dessa questão. Se bem me lembro, Benjamin compara a pintura (onde uma tela a óleo é única, irrepetível) e a fotografia (onde de um mesmo negativo é possível tirar milhões de cópias idênticas). Ou seja: na pintura, o Modelo (a obra de arte) e o Produto (o objeto comercializado) são um e o mesmo. Na fotografia, o Modelo é o negativo e o Produto são as cópias.
No caso da literatura, uso sempre a distinção entre o Texto e o Livro. O Texto é o Modelo, é uma obra de arte literária redigida a mão por Dostoiévski ou num computador por William Gibson. O Livro é o Produto, um objeto industrializado cuja função é tornar o texto acessível a muita gente, de uma maneira tal que renda alguma grana para o criador do Modelo e os fabricantes do Produto.
O problema com a indústria cultural não é o fato de ela pegar um Modelo (um texto original de Rubem Fonseca, de Garcia Márquez, de Umberto Eco) e usá-lo como ponto de partida para a fabricação industrial de milhões de livros. É quando a indústria cultural começa a perceber que o Modelo também pode ser considerado um Produto. É um raciocínio inevitável num sistema habituado a máquinas que fabricam máquinas, a dinheiro que gera dinheiro. “Por que então,” alguém deve se perguntar de vez em quando, “já que produzimos livros em grande escala, não descobrir uma maneira de produzir Modelos em grande escala, jeitos-de-escrever em grande escala?”
É assim que nascem, por exemplo, os chamados “gêneros literários”. Um gênero é um conjunto de modelos parecidíssimos entre si, tão parecidos que podem ser considerados Produtos industriais. O romance de terror, o romance policial, o romance de ficção científica, o romance de amor, o romance pornográfico... São alguns dos gêneros mais populares, e em todos eles a gente vê que existe uma aderência a certos princípios básicos, a um certo número de fórmulas. Daí o desprezo dos escritores eruditos pelos gêneros, pela literatura popular. Eles sentem que ali não se trata mais da industrialização do livro (objeto de papel), mas da industrialização do texto literário.
Se a gente ler 200 romances de espionagem, vai perceber que existe uma meia-dúzia de fórmulas utilizadas por todos eles. Essas fórmulas seriam, então, os verdadeiros Modelos. Os textos produzidos pelos escritores não seriam mais os Modelos, e sim um estágio intermediário entre o Modelo e o Produto. Na arte erudita, o artista é criador e proprietário do Modelo que usa; na arte de massas, ele aceita utilizar um Modelo que pertence à comunidade, ou seja, ao mercado editorial. É contra essa perda de autonomia que alguns críticos e escritores protestam. Não contra a impressão de milhares de exemplares de um livro qualquer.
Um comentário:
Os 12 passos de Joseph Campbell, as 31 esferas de ação de Vladimir Propp, e outros memorandos, são exemplos de modelos.
Não creio que a indústria cultural seja de todo ruim, mas que nossa sociedade não está preparada ainda para criar artistas que saibam usá-la direito.
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