terça-feira, 12 de agosto de 2008

0508) Deus e o Diabo (4.11.2004)



A maioria dos meus leitores vai dizer que o mundo está perdido e o Juízo Final está batendo na porta, e quem sou eu para discordar? A imprensa noticia que a Marinha Real Britânica acaba de garantir a um dos seus marujos liberdade de crença para que possa realizar a bordo, quando em serviço, os seus rituais religiosos. Até aí nada de mais. Se o sujeito é muçulmano, precisa rezar cinco vezes por dia, voltado para Meca. Se é judeu, não pode comer tais ou tais coisas e tem que guardar o sábado; e assim por diante. A liberdade religiosa é um direito garantido em qualquer democracia esclarecida do nosso tempo.

O problema é que o tal marinheiro é Satanista. Chris Cranmer, de 24 anos, serve na fragata Cumberland, e pertence à chamada Igreja de Satã, fundada por um tal de Anton LaVey nos EUA. Ele solicitou ao capitão do navio autorização para praticar seu culto (que o jornal não descreve em detalhes) e para, em caso de morte em serviço, receber um funeral não-cristão. Depois de se aconselhar com o capelão do navio, o Capitão achou por bem conceder o pedido, por achar que os soldados têm o direito de professar a religião que bem entenderem, desde que isto não interfira com seus deveres.

Está aí um bom teste para a democracia, meus camaradas. Faz-me lembrar as velhas discussões dos anos 1970, quando muita gente aqui no Brasil pedia a legalização dos Partidos Comunistas. O argumento do Governo, ou melhor, da ditadura militar, era de que a doutrina comunista pregava a derrubada das “democracias burguesas” através da violência, e a instauração de uma Ditadura do Proletariado. Legalizar um partido comunista implicaria em colocar em perigo a existência de todos os demais partidos. A liberdade política, portanto, não era um Bem absoluto.

Será a liberdade de fé religiosa um Bem absoluto, como a decisão da Marinha britânica parece admitir? Será que somos tão respeitadores da liberdade de crença que temos a obrigação de permitir o culto aberto ao Demônio? Para mim, que sou agnóstico, esta é uma questão meramente retórica, mas para as pessoas de temperamento religioso é um problema de tirar o sono. Será que autorizar o culto do Diabo não corresponde ao que na linguagem popular chamamos de “dar asa a cobra”, conceder de mão-beijada um benefício extra a um adversário traiçoeiro e cruel?

O saite da CNN fez uma pesquisa com mais de 18 mil leitores perguntando se a adoração ao demônio deveria ser tratada pelas Forças Armadas do mesmo modo que as religiões oficiais; 58% disseram que não e 42% que sim. Numa época de guerra aparente (porque as razões reais são econômicas) entre o Fundamentalismo Protestante dos EUA e o Fundamentalismo Muçulmano, será isto uma indicação de que religiões voltadas para Deus estão sendo cada vez mais cooptadas pelas forças das Trevas e da Destruição? Que Deus e o Diabo, no contexto do Capitalismo Militarista, estão cada vez mais próximos um do outro?

Um comentário:

Unknown disse...

Simplesmente aterrador.