A TV recorre o tempo todo ao clichê-do-clichê, ao xerox-da-xerox, ao recurso narrativo tão surrado e tão freqüente que acaba sendo a primeira idéia a vir à mente do autor.
Cuidado com a primeira idéia, meus camaradinhas. Geralmente, é a pior de todas. Ela chegou primeiro à sua mente porque você já viu cinqüenta cópias dela, e todas estão doidas para sair, tomar um pouco de ar fresco, visitar mentes alheias.
Na cultura-de-massas é assim: os autores copiam uns aos outros por comodismo, por medo de serem originais e não serem compreendidos, por pressa, por mera burrice, ou apenas porque viram aquilo muitas vezes e ficaram achando que “é o jeito certo de fazer”.
Dias atrás liguei a TV numa dessas novelas “de época” passadas no interior. Uma estradinha deserta, no meio do mato, e lá vem um sujeito a cavalo, cheio de alforjes ou caçuás. Ele está indo na direção de uma fazenda, e é um violeiro.
O que é que o roteirista e o diretor fazem para mostrar que é um violeiro, um tipo alegre, folgazão? Fazem o sujeito vir sorridente, encarapitando-se a custo na sela (e nota-se que o mais perto que o ator já chegou de um cavalo foi assistindo uma corrida no Jóquei Clube), dedilhando a viola, e cantando a plenos pulmões pelo mato afora.
Olhe, eu estou com esta idade e ainda hoje estou para conhecer um sujeito que toque viola ou violão, e que se disponha a cantar e tocar enquanto cavalga sozinho no meio das brenhas. Não existe. Não é plausível. E (pior de tudo) não é dramaturgicamente interessante.
Outro exemplo. Em cinema e TV, quando querem mostrar que um cara está bêbado, fazem-no beber na boca da garrafa. Meu amigo! Se tem uma coisa em que eu sou PhD é em bêbado. Entendo mais de bêbado do que de mim mesmo, e posso afiançar a todos os roteiristas de Hollywood e da Globo: em um milhão de bêbados você talvez ache um que beba na garrafa, que é pior de segurar do que um copo.
É a mesma coisa quando um soldado-de-polícia numa peça teatral nordestina chega num bar para prender um desordeiro. No teatro, ele diz o chavão clássico: “Teje preso!” Rapaz, eu nunca vi soldado dizer isso. O que ele diz é: “Bora lá fora, rapaz.”
O clichê não é questionado porque quem cria as histórias parte do princípio de que o público já viu aquilo, e quando vir de novo, reconhece sem problemas.
Pouco importa se é uma simplificação mal-feita, se é uma bobagem, se é um preconceito. O clichê nos dispensa do esforço de criar, assim como um preconceito serve justamente para não discutirmos um assunto.
Um diretor estrangeiro comentou certa vez que há três tipos de cena que o cinema brasileiro faz mal: cena de bêbado, cena de briga e cena de sexo. Talvez porque sejam três situações em que existe uma enorme massa acumulada de clichês. Diretor e atores, para se livrarem do drama de ter que criar, desistem de recorrer a si próprios e a sua própria vivência, e seguem o caminho mais fácil: copiar a cópia.
Um comentário:
Li algo parecido em Walter Benjamin, em que ele analisava a obra de arte na era moderna, da reprodutibilidade técnica. O clichê-do-clichê é um sintoma da perda da aura da arte.
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