Amanhã, dia 6 de setembro, comemora-se o Dia do Alfaiate. Acho uma besteira esses dias comemorativos, mas a profissão de alfaiate sempre me pareceu tão nobre quanto a de Alquimista ou a de Poeta. Tem tudo a ver.
Quem tem umas belas páginas sobre esse ofício é Osman Lins, filho de alfaiate, em “Um dia que se despede do calendário” (em Evangelho na Taba), onde ele lembra com carinho as horas da infância que passou vendo o pai trabalhar, vendo seus utensílios: a grande mesa com gavetas, a almofada de alfinetes, os tocos de giz colorido, a pesada tesoura com tiras de brim envolvendo os aros do cabo, os manequins, as fitas métricas, as réguas.
Diz Osman:
“Posso dizer que o vejo ainda, o brim estendido cuidadosamente na mesa, cantando com a boca fechada, traçando, com o auxílio de seus instrumentos, uma geometria cuidadosa e que lembrava certos desenhos dos meus livros escolares: os meridianos, o Zodíaco, as constelações.”
Como não perceber, nestas cenas vividas com tanta intensidade, uma das fontes do rigor cósmico do autor de Avalovara?
Sou da geração das roupas compradas feitas, mas minha memória também guarda cenas de meu pai me levando a Seu Fausto ou a Seu Murilo (cujo filho Jerre viria a ser meu amigo aos 18 anos) para fazer “a farda nova” ou uma calça para o Natal.
Lembro o jeito paciente com que eles tomavam medidas, lápis atrás da orelha, e faziam anotações cabalísticas num pedaço de papel; lembro os recortes de papel cobertos de linhas e números; lembro as estrelas de metal das carretilhas, deixando rastros pontilhados no papel ou no pano.
Louis Pauwels, outro escritor filho de alfaiate, diz:
“Na fronteira da mística pura e da ação social, meu pai, preso à sua mesa de alfaiate mais de quatorze horas por dia – e vivíamos à beira da miséria – conciliava um ardente sindicalismo e uma busca da libertação interior. Nos gestos muito limitados e humildes do seu ofício, introduzira um método de concentração e de purificação do espírito a respeito do qual deixou centenas de páginas.”
Em outro trecho de O Despertar dos Mágicos, Pauwels relata seu primeiro encontro com um alquimista, e as indicações que este lhe deu sobre a Grande Obra: “Nada além da matéria, apenas o contato com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos.” Ele compara a alquimia à jardinagem e à pesca, e a define: “Trabalho de mulher e brincadeira de criança.”
Certos ofícios humanos pressupõem um know-how milenar transmitido pelas gerações, uma tecnologia-do-conhecimento guardada e transmitida por corporações de homens dedicados, meticulosos, tranqüilos.
O ofício do alfaiate, como o do alquimista ou o do poeta, está entre aqueles exercícios de aperfeiçoamento interno com modestos resultados físicos (um miligrama de ouro, uma sextilha, uma farda do Estadual da Prata...). São (para citar Osman) “os ofícios delicados, cujo sentido não está em produzir muito, e sim em produzir serenamente.”
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