Eu me preocupo muito quando vejo esses garotos de hoje diante da TV contemplando assassinatos, roubos de carro, assaltos à mão armada, explosões criminosas, chantagens, estupros, torturas, espancamentos. Não, não estou me referindo ao Jornal Nacional ou a Linha Direta: refiro-me aos desenhos animados que a galera de hoje assiste nas TVs a cabo. Muita gente me alerta de que isto é o começo do fim do mundo. Que estamos forjando uma geração de pit-boys. Que essa banalização da violência tende a torná-la irrelevante e a anestesiar os escrúpulos.
Será que é? Pode ser. Não tenho certeza de nada. Me lembro apenas que passei a minha infância matando gente por dentro de casa, minha mãe preparando o almoço e eu entrincheirado na cozinha, rifle em punho, defendendo os batalhões do General Custer, fuzilando sem piedade os peles-vermelhas que queriam arrancar o nosso escalpo. Acho que me serviu foi de terapia, porque cresci, sou um cara pacífico, nunca atirei em ninguém. Pra completar, já li Enterrem meu coração na curva do rio e a Carta do Chefe Pontiac, e minha compreensão do problema indígena está bem melhorada.
Penso nisto diante das notícias da primeira execução pública de um condenado à morte na Índia nos últimos 13 anos. Dhananjoy Chatterjee, de 41 anos, foi executado no mês de agosto, depois de passar 13 anos no “corredor da morte”, pelo estupro e assassinato de uma adolescente. A execução teve intensa cobertura da mídia. Dias depois, um garoto de 14 anos chamado Prem Gaekwad amarrou uma corda ao pescoço e pendurou-se no ventilador do teto, morrendo asfixiado. O pai do menino disse tratar-se de um garoto muito inteligente; disse também que o garoto fez muitas perguntas sobre o modo como o criminoso iria ser executado. Uma semana depois, em Bengala Ocidental, uma garota de 12 anos morreu enforcada quando tentava explicar ao irmão mais novo como tinha sido a execução de Chatterjee. No mesmo estado, outro garoto de 10 anos escapou por pouco de outra “execução simulada”.
O meu palpite é de que as crianças sabem muito bem quando uma coisa é filme e quando uma coisa é pra valer. Não só a linguagem usada pela TV é diferente: eles vêem uma expressão diferente nos olhos e nos rostos dos pais. Eles sentem que a reação emocional da sua família e de toda a vizinhança é outra. Todo mundo comenta. Todo mundo toma partido. A morte daquele cara é mais real do que a de mil índios ou mil extraterrestres. É um ritual, é tratado como um ritual: ceias são interrompidas, as pessoas se agrupam diante da TV para ver o último boletim. Aos olhos de uma criança, o fato fica carregado daquela eletricidade emocional que elas e os animais domésticos são os únicos a captar. Desenho é desenho, mas quando uma morte é real as crianças percebem, e o modo como irão reagir vai depender do que cada uma tem na cabeça, vai depender do tipo de esclarecimento que recebem em casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário