domingo, 13 de julho de 2008

0441) O fantasma do Comunismo (18.8.2004)



Passei a vida cercado de comunistas à esquerda e de anti-comunistas à direita. E todos me diziam: “Eu não sei como é que um cara inteligente como você consegue andar na companhia daquele pessoal.” Aqui entre nós, eu considero essa façanha uma bela prova da minha inteligência, porque sempre consegui uma convivência equilibrada com todo mundo, sem ter que dar a qualquer um dos grupos a ilusão de que eu iria me tornar um sócio “de carteirinha”.

Existe uma diferença fundamental, no entanto. Quando a ditadura militar brasileira começou, eu tinha 13 anos. Quando acabou, eu tinha 34. Isto significa que passei os meus “anos formativos”, a transição da adolescência para a juventude, e desta para a maturidade, num regime anticomunista, cujas barbaridades faziam empalidecer as barbaridades semelhantes praticadas pelo Comunismo em outras regiões do mundo. Nunca simpatizei com Stálin, nem com Kruschev, nem com Brejnev, nem com Kossiguin, nem com Andropov, nem com nenhum desses outros golems fabricados pelo laboratório-de-frankenstein do Kremlin. Mas eu sabia que podia ser chamado de comunista pelo simples fato de andar na “companhia” de Maiakóvski, Eisenstein, Prokofiev, Górki... Era do lado deles que eu estava. (Só para esclarecer – nesse mesmo período eu estava ao lado de Jimi Hendrix, Bob Dylan e outros marginais do grupo adversário).

Condenar as idéias socialistas por causa dos “gulags” soviéticos, albaneses ou cubanos é o mesmo que condenar a religião católica por causa das torturas da Inquisição espanhola ou da pedofilia nas dioceses norte-americanas. Quanto mais idealista uma teoria, maior a desilusão dos que tentam praticá-la. Isto vale em especial para sistemas filosóficos que são concebidos por meia-dúzia de sujeitos cheios de boas intenções, e na hora H caem nas mãos de milhares de pessoas que só querem “se dar bem”.

No tempo em que eu era estudante, muita gente afirmava ser comunista por uma questão de dignidade pessoal, de vergonha na cara, porque não dizer isto significaria dizer: “Estou de acordo com tudo isto que está acontecendo: os seqüestros, a Censura, as prisões arbitrárias, as torturas, as mortes mal-explicadas, os desaparecimentos nunca esclarecidos, o fechamento de jornais e cineclubes, a proibição de livros e de discos.” Se todas estas coisas eram feitas em nome do anticomunismo, tinha que haver um mínimo de hombridade e de ética que nos empurrava para o Comunismo; assim como o oposto certamente ocorria em países onde em nome do Comunismo se praticavam as mesmas violências.

A Ética é o maior engodo da política. Todos temos a ilusão de que aderindo àquela atividade estaremos ajudando a transformar o mundo num lugar melhor e mais justo. Mas a História parece dar razão a uma frase que o finado Paulo Francis costumava citar: “O Comunismo apela para o que há de melhor na Humanidade, e por isto deu errado. O Capitalismo apela para o que ela tem de pior, e por isto deu certo.”

Um comentário:

Léo Mackellene disse...

Olá, Bráulio! Meu caro, estou folheando minha pequena biblioteca de literatura brasileira a ver se encontro alguma citação a respeito de como os comunistas eram vistos pelos mais velhos. Encontrei algo em "Seara Vermelha" de Jorge Amado e em "São Bernardo" de Graciliano Ramos. Você sabe de alguma outra?