sábado, 8 de março de 2008

0116) O livro de Zé Alves (5.8.2003)


(xilogravura: Eduardo Macedo, matrizne.blogspot.com)


Chegou às minhas mãos, por gentileza de Hélder Pinheiro, o livro recém-lançado pelo poeta José Alves Sobrinho, Cantadores, Repentistas e Poetas Populares (Ed. Bagagem). Para os que não têm muita familiaridade com o assunto, basta dizer que é como se fosse um livro assinado por Cartola e com o título Sambistas e Compositores do Morro da Mangueira. Cartola não escreveu um livro assim, mas Zé Alves escreveu, e não só este como vários, entre eles o precioso Dicionário Bio-Bibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, em parceria com o inesquecível Átila Almeida.

José Alves Sobrinho é um ex-cantador, que quando em atividade fêz cantorias com todos os grandes nomes de sua época. Por problemas de saúde acabou perdendo a voz. Isto o afastou da viola mas não da poesia, e desde então ele dedicou-se a escrever versos e a publicar textos sobre poesia popular. Zé Alves não é um pesquisador no sentido acadêmico do termo. Seus livros são produto de sua vivência, e resultado de suas anotações. Descrevem a Cantoria de dentro para fora, vista por alguém que a conheceu na prática e só depois tentou sistematizá-la em glossários, descrições, cronologias, etc.

O livro tem dados biográficos de centenas de cantadores e poetas, complementados por versos enumerativos. Este capítulo é, por assim dizer, um folheto com notas explicativas. Inclui descrições dos principais gêneros de cantoria, e também uma classificação dos folhetos de cordel. A parte final inclui versos notáveis dos poetas populares, e a transcrição de vários folhetos raros. O livro tem algo de dicionário e algo de antologia, e neste sentido é uma complementação e atualização dos dados do “Dicionário” lançado por Zé Alves e Átila há cerca de 25 anos.

Outros livros de Zé Alves encontram-se inéditos, como Memórias de um Cantador e Cantadores com quem Cantei. Estes outros títulos deverão ser um complemento obrigatório à obra que Zé Alves vem produzindo ao longo destes anos. Acho, inclusive, que por mais inestimável que esteja sendo a contribuição do ex-cantador à sistematização das informações técnicas sobre a Cantoria de Viola, é no campo das memórias e do testemunho pessoal que sua contribuição pode alcançar uma altura e uma dimensão que nenhum de nós, meros estudiosos do assunto, pode ambicionar. Creio que existe, principalmente por parte da geração mais nova, uma imensa curiosidade em saber como era a cantoria de 40, 50 anos atrás. Como era o cotidiano do cantador, como eram feitos os contatos para as cantorias, as viagens, as hospedagens. Como se formavam as duplas, como se davam os desafios, ou cantorias entre rivais. Como eram os ambientes públicos: bares, feiras, festas... Em resumo, precisamos ter testemunhos que só pessoas como José Alves Sobrinho podem nos fornecer; histórias de vida, memórias, descrições, a única maneira que temos de reconstituir uma época que não existe mais.

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