sábado, 8 de março de 2008

0115) A melhor coisa da vida (3.8.2003)




(ilustração: Hundertwasser)

A melhor coisa da vida é o cheiro de café sendo passado. É melhor do que beber café. Diz a Ciência que nosso paladar é um sentido muito limitado, ao passo que o olfato é riquíssimo, cheio de nuances. Quando estamos resfriados, nariz entupido, incapazes de sentir o cheiro das coisas, qualquer comida fica sem graça. 

Talvez por isso o nosso primeiro contato olfativo com café novo seja o mais excitante, o mais inebriante. No momento em que a água borbulha no pó negro e o arranca do seu sono milenar, aquela fumaça que se eleva é (aos meus olhos, pelo menos) um gênio-da-lâmpada que está sendo libertado, com a única finalidade de penetrar pelas nossas narinas e conceder-nos o desejo que nem precisou ser expresso em palavras.

Depois disso, até mesmo a primeira xícara de café é um anti-clímax, se bem que estou sendo injusto com o combustível que manteve meu cérebro funcionando durante todas estas décadas. O prazer causado pelo gosto do café, mesmo o gosto do melhor “espresso”, está sempre um priquitilhonésimo abaixo do prazer provocado pelo cheiro. 

Isso me lembra uma frase de um escritor: “O momento mais excitante do sexo é quando a mulher está tirando a roupa, na penumbra. Tudo que se segue é maravilhoso, claro, mas a verdadeira epifania erótica é aquele momento inicial.” De fato, aquele instante, quando a gente sabe o que vai acontecer em seguida, mas ainda não sabe exatamente como e de que jeito vai acontecer, é um instante de encantamento que, para sujeitos de índole mais romântica, chega a dar um nó na garganta e um marejo nas pálpebras.

São momentos que lembram o zum-zum-zum num teatro antes da abertura das cortinas (eita como eu sou antiquado) para o início de uma peça ou de um show. Quando a gente sabe que o que vai ver é bom, existe uma adrenalina que já se vai gastando por conta, sabendo que não vai faltar. Está todo mundo eletrizado, muitas vezes até pelo fato de, quando é uma noite especial, como noite de estréia, ser também uma noite de reencontros, de pessoas que pouco se vêem mas que convergiram para ali naquela noite. 

Jogo de futebol também tem isso; em geral era aquele intervalozinho entre o fim da preliminar e a entrada dos times em campo.

São momentos elétricos da vida, talvez melhores ainda do que os momentos após um grande show ou um grande jogo, porque o momento posterior, mesmo que se siga a um show-pra-ficar-na-História ou a uma vitória longamente sonhada, tem sempre aquele gosto de “passou, acabou, agora nunca mais.” 

Antes, tudo é possível, tudo é infinito. Depois, no entanto, mesmo a maior vitória pode ser maculada por um espírito-de-porco (“sim, tudo bem, fomos Penta, mas faltou um gol de Rivaldo...”). 

A melhor coisa da vida é o começo de um sonho, porque naquele instante o sonho é a soma de todas as suas próprias possibilidades, é inesgotável, é um fatorial de si mesmo. O problema com os sonhos é que todo sonho é um trajeto rumo à Realidade.





Um comentário:

Tiago Bode disse...

acabei de entender o que é, de fato, a poética, ao ler a palavra (arrebatadora, por sinal): "priquitilhonésimo".
Obrigado, Bráulio!