sábado, 8 de março de 2008

0093) As máquinas voadoras (9.7.2003)




Em 17 de dezembro próximo, os EUA comemoram o centenário do dia em que os irmãos Wilbur e Orville Wright fizeram um vôo de 12 segundos ao longo de 40 metros, na localidade de Kitty Hawk, escolhida por eles para trabalhar longe dos curiosos e da imprensa (e também pelas suas areias fofas, muito úteis para aeronautas principiantes). Voaram outras vezes no mesmo dia, tendo o último vôo durado 59 segundos. Sempre achei que esse número 59 foi escolhido para dar plausibilidade científica ao fato. Se dissessem ter voado durante um minuto redondo, ia parecer coisa inventada.

Santos Dumont só é inventor do avião aqui e na França, que testemunhou suas façanhas, tornando-se cúmplice e parceira delas. Paris inteira ia ver os vôos de Santos Dumont com seus balões, e depois com suas aeronaves; era uma atração turística da época. Em sua autobiografia, Agatha Christie recorda tê-lo visto voar quando era uma adolescente em passeio na França. O Brasileiro Voador tinha os cientistas e a imprensa da Europa como testemunhas. Os Wright tinham apenas as próprias fotos e documentos dos vôos experimentais que vinham fazendo desde 1900, até que conseguiram, em 1903 (três anos antes de Dumont com seu “14-Bis”), fazer voar uma máquina auto-propulsora, mais pesada que o ar, comandada por um piloto.

Érico Veríssimo, num de seus relatos de viagem da série “Gato Preto”, conta ter entrado num Museu da Aviação norte-americano que mostrava desde um milenar papagaio-de-papel-de-seda chinês até um bombardeiro B-52; sobre Santos Dumont, nem uma plaqueta com o nome. Nosso brio nacional não perdoa um lobby tão desalmado. Se um dia o Brasil fôr no mundo o que os EUA são hoje, periga a História ser reescrita e o nome dos rapazes de Ohio ser deletado para sempre. Será a vez da América curvar-se ante o Brasil.

Não somos os únicos. Os ingleses, ou pelo menos alguns deles, situam a primeira aeronave em 1853, construída por Sir George Cayley, e tripulada pelo seu aterrorizado cocheiro. Sir George, cientista respeitado, e considerado o fundador da ciência da Aerodinâmica, tinha 80 anos nessa época. O cocheiro só obedeceu à ordem porque não acreditou que a geringonça decolasse. O que desqualifica este vôo diante dos irmãos Wright e de Dumont é o fato de que se tratava de um planador, sem um motor para propulsão independente.

Invenções complexas não têm um dono. Ninguém inventou sozinho o avião. Não se comemora “a data da invenção”, mas a data desta ou daquela façanha, porque a invenção é um processo. Sir Cayley concebeu o desenho básico do que seria o avião: asas fixas, fuselagem, uma cauda com leme e cauda estabilizadora. Os irmãos Wright introduziram um motor de quatro cilindros. O avião de Dumont, era semelhante ao aos Wright, mas taxiava no solo limpo, enquanto o deles usava um trilho. Dezenas de problemas técnicos são solucionados de maneiras diferentes por cada pessoa. O avião ainda não parou de ser inventado.





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