O marxismo criou a expressão “luta de classes” – se não a criou,
pelo menos a transformou num utensílio do idioma. Ou seja, uma expressão que
qualquer estagiário de redação usa com plena convicção de que sabe do que está
falando. Foi o que aconteceu com “trauma” de Freud, “paradigma” de Thomas S.
Kuhn ou “quântico” de Max Born.
Não importa quem inventou o termo. Na verdade, nem importa quem
o gravou na linguagem popular, um suporte mais duradouro do que o mármore.
Importa que após esse ato de nomear uma coisa abstrata ela se torna
estranhamente concreta e as pessoas mais variadas (inclusive jornalistas
culturais não-remunerados, como eu) se julgam no direito de botá-la no bolso e
sacá-la sempre que for preciso.
O motivo deste nariz-de-cera é que pensei em falar do filme
coreano Parasita (2019), de Bong
Joon-Ho, sob a ótica da luta de classes, mas essa luta não é uma guerra tão
nítida quanto – por exemplo – a guerra entre as formigas e os cupins. O que
acontece entre os ricos e os pobres é luta, mas em certos aspectos é dança, em
outros aspectos é intercurso sexual, em outros é esporte radical, em outros é
combinação-contra-o-feda (como se diz na Paraíba), em outros é jogo de cena, em
outros é bestialização coletiva...
“Luta”, apenas, não descreve a relação que neste filme une a
família rica (os Park) e a família pobre (os Kim). As duas são simétricas: pai
trabalhador, mãe atarefada e cheia de angústias, filha lindinha, filho
voluntarioso. Dentro deste quadro, cada um dos oito personagens cresce no seu
próprio formato, atira-se no caminho sem volta de suas próprias decisões, sejam pensadas ou aleatórias.
A “luta” entre as classes, em termos como estes, tem algo de
sedução e algo de estupro, tem algo de convivência pacífica e de vizinhança
em-pé-de-guerra, tem algo de libido predatória e algo de nojo controlado. Como
se fosse uma luta entre iguais, mas com armamentos distintos.
Não estarei dando nenhum spoiler se disser que, por uma
combinação de circunstâncias, a família de favelados consegue empregar um dos
seus membros na casa da família rica; e depois, um segundo; e depois, um terceiro...
E por aí vai.
O objetivo deles é previsível, e o resultado disso também. Conheço
(aqui do lado de fora da tela) dezenas de histórias pitorescas sobre empregados
que, no primeiro piscar de olhos dos patrões, aprontam uma, em sua ansiedade de
sentir o gostinho do conforto e do consumo.
Quando vou numa casa bem rica, como a arquitetônica moradia da
família Park, tenho às vezes a fantasia de que me empreguei ali como mordomo e que,
mais dia, menos dia, a família vai passar férias fora e eu ficarei durante uma
semana inteira por dono da casa, sozinho. A partir daí, como dizem as sinopses
na web, “mayhem ensues”. Instala-se o caos.
É próprio das pessoas de classe baixa essa atitude contraditória
com reação à riqueza: admirá-la, sonhar com ela, e, uma vez tendo-a ao alcance,
destruí-la de forma pueril e negligente. Porque (aí é minha “mente rica” que
interpreta) a gente só dá valor ao que conquistou com esforço, e quando um
grupo de gente maltrapilha se apossa de uma adega, de uma despensa, de uma
mansão, por que razão deveria tratar aquilo com reverência e parcimônia? O
grande exemplo cinematográfico disto é a ceia dos mendigos no Viridiana (1960) de Luís Buñuel.
Parasita é um exemplo
interessante da figura narrativa que denomino A Tomada, por inspiração do conto
“Casa Tomada” (1951) de Julio Cortázar: uma situação em que pessoas permitem
que seu ambiente seja gradativamente invadido, de forma aparentemente casual e
pacífica, por pessoas estranhas que de repente tomam o controle de tudo.
Outro exemplo clássico disto é uma história de terror que nada
tem de terror, mas que até hoje me dá arrepios quando lembro dela (como ocorreu
ao ver este filme). É o conto de Hugh Walpole “A Máscara de Prata” (1932), que
incluí na minha antologia Freud e o
Estranho – Contos Fantásticos do Inconsciente (Casa da Palavra, 2007).
Existe algo ominoso, algo cruelmente veraz na sua brutalidade: o
vulcão virtual de violência que jaz sob cada jardim gramado onde uma família
rica recebe convidados chiques – para uma festa-coquetel, para um casamento ao
ar livre, um aniversário de criança...
Neste filme lembrei também, inexplicavelmente, do clássico pouco
conhecido da FC, As Esposas de Stepford,
livro de Ira Levin, filme de Bryan Forbes. Lembrei do arrepiante almoço-ao-sol
no filme Corra! (Get Out) de Jordan Peele, em que um
rapaz negro aceita o convite para um fim-de-semana na mansão dos pais da noiva.
Neste último caso a lembrança é inevitável, pois vi este e Parasita, por acaso, no mesmo dia.
Todo roteirista pode bem avaliar as possibilidades de variados efeitos quando encaixamos uma cena de festa seguida por uma cena de carnagem. Carnagem
é o que cada espectador está esperando ver, por este ou aquele motivo. Parasita é um
desses filmes em que numa ocasião social cheia de tensão civilizada começa a se
quebrar uma casca com força, e a gente sabe que alguém vai matar alguém de
maneira horrenda. O bom é saber isto possível em cada um deles. E quando
acontece, a surpresa é igual, a plausibilidade também.
A luta de classes é sempre encarada como o equivalente
sociológico ao choque de placas tectônicas. As histórias humanas são as faíscas
produzidas por esse atrito. “Luta” é adequado mas “parasitismo entre classes”
talvez fosse um termo mais interessante, porque abriria caminho para comparações
possivelmente úteis.
As duas famílias também são parasitas das telecomunicações. Tudo que
fazem é mediado por selfies, wi-fi, mensagens, videofone, telefonemas, código Morse.
Pode-se igualmente dizer que se, como dizia William Burroughs, “a linguagem é um
vírus do espaço exterior”, então as web-comunicações são um vírus criado em
laboratório e que está nos parasitando até agora.
Opor um núcleo rico e um núcleo pobre significa a possibilidade
de jogar com cumplicidades recíprocas, quando convier à história, e
antagonismos declarados, quando for o caso. As chanchadas de Oscarito e Grande
Otelo não cansavam de arremessar essa dupla de toscos-simpáticos nos ambientes
mais granfinos da época. E instalava-se o caos.
Sobre Parasita,
declarou o diretor Bong Joon-Ho:
Para
pessoas de diferentes condições sociais a vida em conjunto num mesmo espaço não
é coisa fácil. É cada vez mais o que ocorre num mundo triste como o nosso: as relações humanas baseadas na co-existência ou na simbiose não podem se
sustentar, e um grupo é levado a assumir uma relação parasítica quanto ao outro. No interior de um mundo assim, que poderá apontar seu dedo contra uma
família que batalha, uma família travando uma verdadeira briga pela
sobrevivência, e chamá-los de parasitas? Eles não eram parasitas desde sempre.
Eles são nossos amigos, são nossos vizinhos, nossos colegas de trabalho. Tudo
que aconteceu foi que eles foram empurrados por sobre a borda de um precipício.
Ao ser a descrição da vida de pessoas comuns que caem numa tragédia inevitável,
o filme é: uma comédia sem palhaços, uma tragédia sem vilões, e nele tudo
conduz a em enfrentamento violento e uma queda de ponta-cabeça escada abaixo.
Estejam convidados a assistir a ferocidade incontrolável desta tragicomédia.
(poster: Andrew Bannister)
Um comentário:
Graças a Deus acreditei no Dr. ODION depois de ler tantos testemunhos sobre seu trabalho e decidi entrar em contato com ele. Estou escrevendo meu próprio testemunho que nunca pensei que seria possível. Antes de conhecer o Dr. ODION, eu sentia que tudo isso eram crenças supersticiosas e o feitiço não foi cientificamente comprovado como verdadeiro, mas esse lançador de feitiço me fez acreditar o contrário. ELE É UM BOM HOMEM. Eu recuperei meu ex-namorado com a ajuda deste homem depois de 1 ano de tentativas, mas nenhum meio possível parecia mostrar. Se você leu qualquer testemunho sobre o Dr. ODION, é verdade. Meu namorado me deixou há mais de 1 ano e eu estava querendo tê-lo de volta e tentei implorar para ele voltar para mim, mas ele me deu ouvidos moucos e me fez passar de boba em público. O Dr. ODION foi encaminhado a mim por um amigo meu que ele também ajudou no meu local de trabalho e eu disse a ele que ele era supersticioso e um tolo por acreditar nessas coisas fetichistas. Mas depois de tantas reflexões sobre isso, procurei por ele na Internet e decidi contatá-lo por e-mail. Ele logo me deu seu número de celular e conversamos um pouco também. Ele é o melhor. Antes de seu feitiço funcionar, eu já tinha certeza. Em 2 dias, meu ex-namorado depois de 1 ano zombando de ser um homem inútil, veio me implorar desta vez. Eu não sabia o que esse homem fazia, mas ele é muito bom em fazer isso por mim. Estou agradecendo a ele e ao meu amigo por conhecê-lo também todos os dias da minha vida. Acredito que ele ajudará qualquer pessoa que vier a contatá-lo (drodion60@yandex.com) ou pelo WhatsApp para ele +2349060503921.
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