(Dylan Thomas, jovem)
Quando um cara faz um livro de memórias espera-se que ele
comece do começo, passe pelo meio e acabe no fim. Claro que há talentos mais
ambiciosos que querem ir além disto, com resultados variados. As memórias de
Bob Dylan recolhidas em Crônicas, vol. 1 (2004) começam com a chegada dele em
Nova York, fazem um ótimo retrato dos músicos boêmios do Greenwich Village de
onde ele se catapultou para o sucesso, e depois começam a ricochetear para a
frente e para trás, sem cronologia aparente, apenas uma coisa meio por
associação de idéias. O que não é nada mau, se as idéias em si valerem a pena.
Ele não diz um “A” sobre a criação dos seus grandes discos. Conta apenas os bastidores
de estúdio de Oh, Mercy, álbum talvez imerecedor de tal prioridade.
Por que falei em Dylan? Acho que porque o Dylan que me
lembrou esse aí foi o poeta Dylan Thomas com seu Portrait of the Artist as a
Young Dog (1940). O título já é uma gréia com o Portrait of the Artist as a
Young Man (1916) de Joyce, onde aparece o famoso personagem Stephen Dedalus.
Um crítico observa que apesar disso é com Dublinenses (1914), do mesmo Joyce,
que o Portrait de Thomas se assemelha. Tendo em mente, claro, que estamos
comparando um galês e um irlandês.
São dez histórias curtas que vão desde retratos da vida em
família de um Thomas bem garoto até um Thomas jovem-adulto, trabalhando em
redação, fumando, indo aos bordéis. Algumas histórias são narradas por ele na
primeira pessoa, outras vezes é na terceira pessoa, referindo-se apenas a “o
rapaz”, “o jovem”. Em momento algum
pode-se pensar que isto é uma autobiografia no sentido acadêmico. É uma
reescritura livre de memórias compartilhadas mas não unânimes.
Quando Bob Dylan lançou em livro suas crônicas, publiquei
uma intitulada “Bob Dylan sabe escrever”, porque achei o livro muito bem
escrito, no sentido de que parecia escrito pela mesma pessoa que fez aquelas
letras, deu aquelas entrevistas, etc.
Bem, Dylan Thomas também sabe, e os seus contos são até fáceis de ler,
comparados aos seus poemas densos, alusivos, cheios de imagens surpreendentes.
Mas o olho que capta aqueles parágrafos é o mesmo olho do poema.
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