domingo, 22 de junho de 2014

3532) Ser soldado (22.6.2014)



Acho que a maioria dos soldados tornam-se soldados, pelo menos em desejo e fantasia, por volta dos cinco ou seis anos de idade.  Se bem me lembro, nesse período tudo que o camarada sonha na vida é ser tranquilizadoramente coletivo, e assim ser grande, ser forte, ser capaz de ser brutal, poder ver o medo nos olhos de quem o avista, poder empunhar aqueles instrumentos terríveis cheios de raios e trovões.  O menino quer ser um Deus atemorizante e invulnerável. Só o soldado é assim.

Ser soldado não é ser preparado apenas para matar, mas também para controlar o medo de morrer. Mais do que um poder sobre a morte, ser soldado implica num poder sobre o medo.  Uma das cenas mais vibrantes de um episódio recente de Games of Thrones ((HBO, cuja 4a. temporada terminou há poucos dias) é quando um gigante inimigo consegue arrombar a entrada de um túnel numa fortaleza, e cinco soldados da Guarda Noturna entram no túnel para detê-lo. O monstro é gigantesco, e quando se aproxima eles, aterrorizados e de armas em punho, gritam juntos o juramento que fizeram ao se alistar ali: “A noite está chegando, e minha vigília vai começar! Ela não chegará ao fim antes da minha morte! Eu nunca terei esposa, nunca possuirei terras, nunca terei filhos!  Nunca usarei coroa, e não conquistarei glórias! Eu viverei e morrerei no meu posto! Eu sou a espada da escuridão! Eu sou o sentinela no alto da muralha! Eu sou o escudo que protege os reinos dos homens! Eu dedico minha vida e minha honra à Guarda Noturna, nesta noite e em todas as noites que virão!”.  E partem para a batalha desigual.

Para uns, ser soldado evoca, de cara, a “licença para matar”, o apelo ao carcará sanguinolento que habita o inconsciente de toda pessoa civilizada.  Para outros, evoca a nobreza de mandar e a de obedecer.  Para outros ainda, a diluição-em-pixel numa estrutura maior, onde é possível obter anonimato e paz.  Para outros, há um trabalho a ser feito, alguém precisa fazê-lo, então que o faça bem feito, não importa a que custos ou sacrifícios. Para outros, é a escada mais curta para um trono.

Game of Thrones mostra soldados que quebram seus votos por causa de uma mulher. Soldados que correm o risco da morte, e mais, da desonra, mas não quebram a palavra dada.  Soldados que ganham todas as batalhas e perdem a guerra. Soldados pusilânimes em tempo de paz e heróis em campo de batalha.  Soldados cruéis que dos outros só esperam a crueldade.  Soldados que têm somente a mais vaga noção de por quê estão lutando, mas já que estão ali para lutar, tornam a luta em si a coisa mais importante de suas vidas, algo que faz valer a pena enfrentar a morte.


3 comentários:

ode aos deuses disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ode aos deuses disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Virginia disse...

Lindas as cinco vertentes do soldado. Porém acho que a maioria é daqueles mesmos que não sabem o que estão fazendo ali, e por isso mesmo, como você disse, tornam a luta a questão mais importante de suas existências.
Gostei dos textos sobre Game of Thrones. Se quiser falar mais sobre as mulheres, adoraria ler. Afinal parecemos sempre tão escondidas e insignificantes aos olhos dos homens, mas quantas coisas só acontecem por causa dos silêncios femininos propositais.