("Inferno", by merl1ncz)
Depois de uma vida inteira mergulhada no crime, no vício e nas drogas, Nicodemos foi fuzilado num beco durante uma emboscada policial, morreu e foi parar no inferno. Durante a vida inteira tinha zombado do bem e do mal, da virtude e do pecado. Achava que era igual a um bicho, uma criatura que após a morte simplesmente deixa de existir.
Assustou-se ao ver que o Inferno existia, sim. Um labirinto
infinito, vastas cavernas vulcânicas, interligadas por passagens estreitas,
onde pessoas em carne e osso eram mergulhadas em poças de lava, gêiseres de
água fervente, ou braseiros perpétuos. A
carne dos corpos era destruída e recomposta sem parar. A dor era tão intensa
que se tornava algo uniforme, onipresente. Quando diminuía, era possível aos
condenados perceber que umas partes do corpo doíam mais e outras menos. Essa
diferença trazia um requinte de sofrimento a mais: havia sempre um ponto onde a
dor podia aumentar de novo.
No trajeto entre um castigo e outro os condenados eram
chicoteados e arrastados ao longo de um chão coberto de navalhas. O mais suportável dos tormentos era o Fundo
do Poço, um buraco cheio de excrementos e de criaturas repugnantes, onde era
preciso comer e beber, ao mesmo tempo em que coisas como enormes moluscos
devoravam os condenados e depois os regurgitavam de volta.
Depois do que lhe pareceu uma eternidade de peregrinação de
suplício em suplício, Nicodemos foi arrastado pelos tornozelos ao longo de
alguns quilômetros numa rampa ascendente. No fim do trajeto os demônios o
puseram de pé, enquanto destrancavam aos poucos um cofre de metal escuro, com
inscrições em letras estranhas, do tamanho de uma cabine de elevador.
“E agora, vai ser o quê?” – balbuciou Nicodemos, por entre
os lábios partidos e os dentes arrancados. “Para cada ano passado no Inferno,
tens direito a um minuto no Paraíso,” informou um dos demônios, que era uma
espécie de lagarto sem cauda com dois metros de altura. “Tenho direito ao
Paraíso?”, espantou-se Nicodemos. O monstro explicou, enquanto manipulava
engrenagens e alavancas: “Sem isto, qualquer alma morre. Este minuto a
revigora, e a devolve como nova, para que voltemos a trabalhar com ela. Essa trégua permite que tenhamos vocês a
nossa disposição por toda a eternidade.”
2 comentários:
Braulio,você é o Dante tupiniquim.
Gézuis! Obscenamente bonito o inferno. O senhor é cruel...
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