Na selva barroco-pop, as pessoas estão anestesiadas,
embrutecidas de tanta poluição semiótica. E Gibson imagina a criação de
produtos que estão limpos dessa sujeira linguística, produtos que utilizam uma
linguagem não-referencial, produtos tão simples que não se parecem com nada. Em Reconhecimento de Padrões (2003) é A Filmagem (The Footage), fragmentos de um
filme anônimo, que brota aos poucos na Internet sem que se saiba quem o
dirigiu, onde, quando. Um filme esteticamente perfeito, para os cinéfilos de um
culto que o investiga e acompanha (é este o tema do livro). Em Zero History,
é a marca de jeans “Gabriel Hounds”, que tem textura perfeita, corte,
acabamento. Um jeans que não se parece com nada, e é vendido clandestinamente,
sem propaganda, só para os iniciados. Gibson parece procurar produtos que são
verdadeiros paradoxos: produtos no mais alto grau de refinamento de uma cultura
e ao mesmo tempo esvaziados de cultura, objetos platônicos que só significam a
si mesmos, sem nenhum referencial exterior.
Scott Morrison é um fabricante de jeans-sob-medida
em Nova York (http://3x1.us) que certa vez
distribuiu calças novas para os lavadores de pratos de um restaurante para que
estes os usassem durante o trabalho, na cozinha quente, enfumaçada. O uso
“quebra” as fibras e amolda os jeans ao corpo (tem gente que entra na banheira
com o jeans novo para acelerar esse processo). Morrison procura o que os
japoneses chamam “wabi-sabi”, a beleza do que é “imperfeito, impermanente,
incompleto”, a beleza que decorre do uso humano, do desgaste humano, das
pequenas vacilações humanas na feitura que dão aos objetos uma marca única,
incapaz de surgir da máquina. Ao seu modo, Gibson, como Philip K. Dick, procura
estabelecer, num mundo de máquinas, quais são os sinais da presença humana, da
vida humana, da imprevisível e inimitável ação humana.
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