quinta-feira, 20 de setembro de 2012

2981) Galera e games (20.9.2012)













Num ótimo ensaio na revista Serrote (http://bit.ly/NLRZYc), o escritor Daniel Galera examina a experiência dos videogames e procura apontar o que ela tem de diferente, de novo e de útil para nós. Essa discussão é parecida com a de quase um século atrás sobre “o específico fílmico”. O específico fílmico era, segundo os teóricos, um modo de experimentar o mundo através do cinema que não podia ser proporcionado pela literatura, pelo teatro, por nenhuma outra arte.  Claro que cada teórico via esse “específico” de uma maneira diferente.  Para Rudolf Arnheim, por exemplo, eram as limitações da imagem cinematográfica que produziam sua linguagem nova, única: o fato de ser limitada por um retângulo, de ver as coisas por um só ângulo de cada vez, etc.

Galera indica uma diferença essencial nos games, o que ele chama de “narrativa procedimental”, o fato de que cada jogo precisa ser jogado de maneira ligeiramente diferente, e que é somente jogando que o jogador aprende o modo de jogar o jogo e o objetivo do jogo.  Isso está na raiz da interatividade do jogo, do fato de que ele exige ações e decisões do jogador, coisa que o espectador cinematográfico não precisa executar. No cinema, existe apenas a ação intelectual de interpretar as imagens, mas o espectador não toma decisões sobre o que vai aparecer na tela em seguida. Nesse sentido, o “específico fílmico” requer a observação, e o “específico guêimico” (desculpa aí!) exige a interatividade.

Diz Galera: “A maioria dos ‘gamers’ nem se dá conta de que a narra­tiva procedimental é o que realmente os absorve e fascina enquanto dedicam horas a seus jogos favoritos. Isso não quer dizer que os personagens e o enredo sejam desprezíveis – ao contrário, são essenciais para disfarçar o fato de que estamos interpretando e executando um algoritmo. O enredo entra para nos fornecer tudo o que o algoritmo não pode: uma moti­vação, um início e um fim coerentes, um dilema moral, uma chave para asso­ciar a narrativa procedimental a um universo fantasioso ou a um episódio específico do mundo real. Mas o que jogamos é o jogo. O que nos move, em última instância, é o prazer proporcionado pela interpretação desse conjunto específico de regras, pela descoberta das maneiras como podemos interagir com esse mundo fictício, pelo aprendizado e pela habilidade progressivos que nos permitem, dependendo do jogo, fazer nossa parte para conduzir o programa a seu estado final, à conclusão da história, à obtenção de um desempenho distinto, ao recorde de pontos, ao esgotamento das possibili­dades, à exploração de todo o espaço de jogo, ao uso criativo das variáveis”.


3 comentários:

Samuel Medina (Nerito Samedi) disse...

Primeira visita a este blog e já vou dar um jeito de sempre aparecer aqui...

Gosto de cinema, literatura e games. Sou aquele tipo de "leitor" que mergulha na narrativa (ou na sequência procedural... rs...).

Realmente não discordo tanto do post quanto da colocação do Daniel Galera. Acho que talvez seja por isso que as linguagens continuarão a existir, mesmo com seus nós, interseções e atravessamentos. Acho que cada vez mais haverá interferência de uma linguagem em outra e acredito ser benéfico à nossa criatividade...

Abraço!

Braulio Tavares disse...

O game não veio para extinguir o cinema, mas para abrir uma nova área de imaginação audiovisual. Cada experiência é única. O teatro está aí há milhares de anos, e nunca vai acabar. Daqui a 100 anos teremos outras formas de criação e contação de histórias, interativas ou não, e as formas antigas continuarão valendo. (Pelo menos é o que eu espero!)

marcos ferraz disse...

Pela fala do Galera, o game é um procedimento oulipiano, o que não deixa de ser interessante.