segunda-feira, 20 de junho de 2011
2587) A Guilda dos Ladrões de Livros (19.6.2011)
Há anos não era convocada uma reunião urgente da Guilda. Quando o mensageiro entregou-lhe o pergaminho, Hassan limitou-se a jogar uma capa sobre os ombros e partiu para a soturna casa de pedra, semi-abandonada, onde a Guilda promovia seus encontros mensais. Mesmo apressando-se, foi o sétimo a chegar, e o presidente Watanabe deu por abertos os trabalhos. Havia uma missão incompleta, disse ele, que respondia pela ausência dos três membros faltantes. Leterrier, o caolho de rosto vulpino e cabelos grisalhos; Arbogast, rosto quadrado, atlético, capaz de arrombar qualquer porta e escalar qualquer muralha; Ivanov, o silencioso russo de crânio liso e olhos cinzentos. Todos tinham ido na mesma missão, e nenhum voltara. Tiraram as sortes na sacola de veludo, e coube a Hassan a esfera vermelha da missão.
Com a planta baixa da Biblioteca no bolso do casaco, ele primeiro estudou e depois percorreu o minucioso labirinto de galerias pluviais, esgotos, área de serviço, corredores secundários, elevador de carga. Chegou por fim ao 11o. andar, à sala 11-F. Seus olhos acostumados a ver no escuro o conduziam a passos de feltro ao longo das silenciosas estantes, até achar a que buscava. Conferiu o selo na lombada, o código, o título. Por que motivo, pensou, os três mestres tinham fracassado? Por medida de segurança, antes de pôr o livro na mochila que trazia às costas, abriu-o, virou-o na direção do débil reflexo de luar que vinha da clarabóia, conferiu o título no alto da página, percorreu com os olhos algumas linhas:
“...na areia da praia, à luz cegante do sol de meio-dia, entrecruzavam-se rastros de pegadas que conduziam ao molhe, onde um navio a velas estava atracado. Suas velas traziam tatuagens de rostos humanos, e seus canhões eram retilíneas serpentes de bronze. Ele caminhou ao longo do molhe e saltou para o tombadilho. Não eram apenas as velas: nas tábuas do convés estavam entalhadas rostos humanos, ruga a ruga, pelo a pelo, por uma faca finíssima e infalível. Pisou com pudor naqueles rostos ao caminhar. Ergueu os olhos: as nuvens no céu também assumiam formas ovóides em que era possível discernir rostos expectantes de barbas brancas, de olhos brancos. Um gemido o fez olhar para baixo: o rosto sob o tacão de sua bota queixava-se de algo. Afastou-se. O que viera fazer ali? Viera buscar algo? O quê? O diário de bordo? Caminhou na direção do que lhe pareceu a torre de comando, mas as portas estavam pregadas com tábuas transversais em X. Mais um gemido: um homem com olho vazado, na parede do corredor, movia a boca como se quisesse dizer-lhe algo. Ergueu os olhos: no teto, outro homem de crânio liso mordia os lábios fazendo brotar um sangue espesso e marrom. Na parede, o rosto quadrado de alguém que ele conhecia estava partido ao meio por uma janela. O que viera fazer ali? Por que estava agora imóvel, num corredor vazio, fitando a parede oposta, a poucos centímetros do chão?
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