quarta-feira, 18 de agosto de 2010

2323) “A Chinesa” de Godard (18.8.2010)



Este filme é descrito pelos detratores de Jean-Luc Godard como o seu filme mais chato. (Todo detrator de Godard o conhece pouco. Se acham La Chinoise chato, coitados, nunca viram One plus One ou Vent d’Est.) Afinal, que graça pode ter uma hora e meia de filme mostrando meia dúzia de rapazes e moças trancados dentro de um apartamento, falando sem parar? Anos depois, o Big Brother Brasil respondeu esta pergunta: os rapazes e moças teriam que ser “saradões” e “gostosas”, e deveriam conversar apenas o equivalente verbal a Cheetos, M&M ou Potato Chips.

O filme de Godard é um BBB fictício sobre os jovens maoístas que, um ano depois (o filme é de 1967) encheriam Paris de carros com os pneus para cima, barricadas, coquetéis Molotov e slogans incendiários. Quando vi A Chinesa pela primeira vez, em 1970, tive reações contraditórias. Um terço das palavras-de-ordem dos jovens maoístas eu não compreendia, absolutamente. Um terço eu renegava de corpo e alma. E um terço eu concordava com fervor. Não sei se cometerei a obviedade retórica de afirmar que hoje, quarenta anos depois, tive as mesmas reações, mudando apenas as palavras-de-ordem que as provocavam. (Não; melhor não dizer.)

Minha ingenuidade de cineclubista adolescente, na época, consistia em imaginar que Godard era maoísta e que o filme era uma apologia do que aqueles rapazes e moças estavam fazendo. Hoje, minha surpresa é que Godard não tenha sido explodido, por um homem-bomba maoísta, no dia seguinte à pré-estréia. Seu retrato dos jovens adoradores do Livro Vermelho é tão impiedoso quanto o que ele faria hoje sobre os participantes do Big Brother Brasil (que coisa, maoísmo e BBB continuam voltando juntos ao meu juízo!). Há detalhes tão impagáveis e irônicos que os considero injustos. Não é possível que jovens sensatos defendessem tais idéias. Mas é possível, sim. Tudo, quase tudo, é possível.

O humor de Godard. Um dos jovens pega um guidom de bicicleta, coloca-o na cabeça como um par de chifres, e encena uma tourada, brincando. Depois, joga o guidom no lixo; um vizinho o apanha e diz: “Que belo guidom de bicicleta!”. Ele comenta, maravilhado: “Os operários são criativos. Ele transformou um touro num guidom de bicicleta!”. Precisa mais? Véronique vai a um prédio para assassinar um diplomata soviético (os maoístas odeiam os soviéticos mais do que odeiam os capitalistas). Quando volta, percebe que confundiu o ap. 32 com o 23 e matou a pessoa errada; volta e mata a pessoa certa. Precisa mais?

Ainda assim, Godard consegue ver nesses rapazes e moças maoístas o que eles de fato são: rapazes e moças. Eram maoístas como poderiam ser qualquer outra coisa que lhes desse a sensação de que estavam vivos, de que o que faziam tinha importância para o mundo, de que estavam vivendo uma grande aventura, de que a vida era bela, e de que “se o marxismo-leninismo existe, tudo é permitido”. Hoje, tudo é permitido porque ele não existe mais.

2 comentários:

Lucas Jerzy Portela disse...

Eu já vi a obra toda de Godard.

Portanto o conheço bem.


Por "toda", quero dizer: inclusive os 10 volumes de Historia(s) Do Cinema - que alias reputo excelente e obrigatório.

E sou um detrator de Godard. Ou melhor: sem ser detrator, eu o acho sobretudo chato. Mais do que chato, inassistível.

Mas seu mais chato não é La Chinoise, é Forever Mozart.

Quando estreou em Salvador (estreia nacional alias) Elogio Do Amor, anos atrás, o 1º Panorama Internacional Coisa de Cinema, na saida da sessão encontrei um amigo também cinéfilo (no sentido de Godard, isto é: no sentido religioso do termo) e fã de literatura pornográfica clássica (de Sade a Bataille):

- É bom, Lucas? - perguntou-me, sabendo da bomba que sempre é

- É melhor do que bom: é um Godard assistível! Nem dá sono.


Godard tem dois filmes realmente bons: Pierrot Le Fou e Alphaville. Note, eu não contei Acossado, uma obra-prima. Por que? Porque a genialidade de Acossado está no roteiro de Trufaut (este sim, o grande cineasta da Vague), e não na direção às vezes abilolada de Godard.

Braulio Tavares disse...

Tem um filme de Godard que os não-Godardianos geralmente gostam (além dos q vc citou): "Vivre sa Vie". Aliás, onde se vê essa "História do Cinema"? Nunca a vi mais godar. Existe em DVD?