domingo, 18 de julho de 2010

2281) “Bande à Part” (30.6.2010)



Vi em DVD este simpático filme de Jean-Luc Godard, que nunca tinha assistido. É um filme menor, talvez, um daqueles longas que Godard dirigia em algumas semanas com meia dúzia de atores e uma câmara. Casual, descontraído, com ocasionais momentos de beleza no diálogo. E a fotografia em preto-e-branco de Raoul Coutard, uma das melhores coisas não só do cinema de Godard, mas de toda a “nouvelle vague”. Nada parece tanto com a palavra Cinema quanto aquela tonalidade de pretos-e-brancos contra um fundo cinza.

A narrativa é de um policial B típico, baseada num romance de Dolores Hitchens (Fool’s Gold): uma moça e dois rapazes decidem roubar o dinheiro da casa onde ela trabalha, e, depois de um planejamento muito furreca, realizam um assalto mais furreca ainda, que acaba mal. Godard, Truffaut, Malle, Chabrol e outros passaram anos filmando variações desse enredo. Para eles, nada era mais moderno do que esquecer a Noite de São Bartolomeu ou a Queda da Bastilha e filmar pequenas aventuras de submundo à maneira norte-americana. Há toda uma ruptura sociológica e uma queda-de-braço cultural por trás disso.

O filme é pouco conhecido, mas duas sequências ficaram famosas. Uma é a da coreografia executada com displicência de cinema-verdade pelo trio de atores, tendo Anna Karina devastadoramente charmosa, de saia tartan, pulôver escuro e o chapéu de Sami Frey na cabeça. Esta dança (dizem) foi citada em Pulp Fiction de Tarantino, cuja produtora, aliás, chama-se A Band Apart em homenagem a este filme. (A cena pode ser vista no YouTube). A outra cena famosa é a dos três atores correndo pelas galerias do Louvre, tentando bater o recorde de um turista americano, que (dizem eles) viu o Museu inteiro em 9 minutos e 45 segundos. Esta cena foi citada e reconstituída por Bernardo Bertolucci em Os Sonhadores.

Uma terceira cena (que eu desconhecia até ver o filme) mostra o trio tentando fazer um minuto de silêncio. A trilha sonora é emudecida durante 35 segundos até que um deles se levanta da mesa do bar, dizendo “chega!”. Bergman retomaria alguns anos depois este desafio, em A Hora do Lobo, mostrando (“na sucessividade dos segundos”, como dizia Augusto dos Anjos) um minuto inteiro de Max von Sydow olhando um relógio e Liv Ullman olhando o rosto de Max von Sydow. (Para, sem mais do que isto, falar resmas de textos sobre o Amor, a Loucura e a Morte.)

O cinema de Godard é como a música de Philip Glass, a poesia de e. e. cummings ou a pintura de Edward Hopper. Há quem ame e quem deteste. Para os que nem-uma-coisa-nem-outra, é um documento inquietante de como um cinema feito por cinéfilos acaba se tornando, 45 anos depois, um cinema menos referencial e menos cheio de citações do que o cinema comercial de hoje. O encanto desses filmes, em 1964, era sua intelectualidade, sua ousadia vanguardista. Hoje, seu encanto é a pureza do seu olhar, que parece nunca ter sido corrompido por uma tecnologia, um Festival, um borderô.

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