terça-feira, 29 de junho de 2010

2204) O matemático e as baratas (1.4.2010)



(Grigory Perelman)

Tudo quanto é jornal e websaite está dando notas a respeito de Grigory Perelman, um matemático russo de 44 anos. Ele recusou um prêmio de um milhão de dólares por ter resolvido um problema dificílimo que tirava o sono dos matemáticos há mais de cem anos. A celeuma é ainda maior quando se revela que Perelman não é um cara rico que não precisa dessa grana, pelo contrário. 

Uma vizinha do cidadão afirmou à imprensa: 

“Ele tem apenas uma mesa, um banquinho e uma cama com um lençol sujo que foi deixado ali pelos antigos donos – uns bêbados que venderam o apartamento para ele. Estamos tentando acabar com as baratas nesse quarteirão, mas elas se escondem na casa dele.” 

O mundo da Alta Matemática é um pouco como o da Poesia Surrealista: abandonai todo o senso comum, ó vós que entrais. Perelman conseguiu resolver um problema chamado “a Conjetura de Poincaré”, por ter sido formulado pelo grande Henri Poincaré (1854-1912). Não discutirei aqui as sutilezas do problema, basta-me citar a descrição que está na Wikipédia. 

Poincaré supôs (sem poder provar) que “qualquer variedade tridimensional fechada e com grupo fundamental trivial é homeomorfa a uma esfera tridimensional”. Ele supôs, mas não encontrou um meio de provar, e desde então os matemáticos vinham quebrando a cabeça atrás dessa prova. 

Perelman, em suas noites insones tendo como ruído de fundo o ciciar das baratas, conseguiu. Ofereceram-lhe o milhão de dólares do prêmio proposto, e ele declinou: “Obrigado, já tenho tudo do que preciso, não quero ficar em exibição como um bicho num Jardim Zoológico”. E bateu a porta. 

Há um filme brilhante e pouco conhecido que nos mostra por dentro o mundo desses indivíduos: Pi, de Darren Aronofsky. Foi feito com uma merreca, por uma equipe de uma dúzia de pessoas, pelas ruas de Nova York, filmando em preto-e-branco com uma camarazinha qualquer. 


O filme conta a história de um matemático que embarca numa viagem delirante de cálculos em busca do conhecimento matemático terminal. Pode ser encontrado nas locadoras ou na Internet, e vê-lo nos ajuda a entender quem são esses caras. 

A Matemática é algo como uma droga poderosa. É um estado alterado de consciência que, se não for tratado com cuidado, pode engolfar a consciência por inteiro. Todo mundo sabe dos “idiots savants”, aquele sujeitos retardados, incapazes de falar direito, de entender coisas minimamente simples, às vezes incapazes de cuidarem de si próprios, mas que conseguem fazer cálculos mentais gigantescos em alguns segundos. 

O grande matemático como Perelman é uma versão atenuada disto. Sua mente processa dados e fórmulas sem parar e não pode dedicar espaço para ações triviais como ir ao supermercado ou trocar de cuecas. Indivíduos assim deveriam ser financiados pelo Estado e viver numa espécie de retiro, apenas trabalhando, pensando, resolvendo conjeturas abstratas. Se o Estado sustenta criminosos num presídio, por que não sustentaria um matemático?









2 comentários:

Brontops Baruq disse...

Sincronicidades:

Certa vez, arrisquei usar uma palavra em um conto que não tinha certeza se existia ou não: incompletude.
Depois fui conferir no Dicionário, existia, então tudo bem, e deveria ter esquecido da história. Mas alguns dias depois topei com o seguinte volume da Cia das Letras numa livraria: Incompletude - A prova e o paradoxo de Kurt Gödel (Cia das Letras). Levado mais pelo prazer do acaso do que qualquer outra coisa (Matemática nunca foi meu assunto predileto), li a pequena biografia do homem e me assombrei com algumas outras coincidências que não merecem ser citadas aqui.

O resultado prático é que comecei a interessar um pouco mais por Matemática, mais ou menos nos termos que estão neste livro ou em "O Andar Bêbado", de Leonard Mlodinow. Procurei um livro que traça paralelos entre Escher, Gödel e Bach, mas a esgotada edição brasileira custa mais de 300 paus na Estante Virtual. Descobri que o Ítalo Calvino leu o mesmo livro e entendi - depois de anos - um dos contos de Cidades Invisíveis. Cheguei a assistir ao PI, mas - pra ser sincero - foi um pouco decepcionante.

Bom, ontem adquiri "Logicomix", uma história em quadrinhos que conta a história do filósofo e matemático Bertrand Russel. Ainda estou no meio do álbum, e está sendo um enorme prazer porque tem muitos paralelos com "Incompletude".

Mas logo no começo do álbum encontrei o seguinte diálogo que preciso colocar aqui e que me motivou a postar este comentário:

-Por falar nisso, li o artigo de Giancarlo Rota que vc mandou sobre a curiosa alta incidência de doenças mentais entre os fundadores da lógica.
-Isso dá o que pensar, né? Ao contrário do que se imagina, a maioria dos OUTROS MATEMÁTICOS não é louca! Então, por que há tantos casos de insanidade entre os lógicos? Pense bem, eu acho que o clichê "eles ficaram loucos por serem lógicos demais" não faz sentido.
-Então que alternativa nos resta? "A Loucura os tornou lógicos?"



Abraços

Braulio Tavares disse...

Procure ler "Godel Escher & Bach", quando tiver chance. Nunca li todo. Mas qualquer coisa que alguém ler ali vai ser útil. "Pi" é um ótimo filme, acho. O problema dos lógicos doidos é que muitas vezes o estudo de paradoxos lógicos "trava o computador" da mente do cara. É possível, sim, o sujeito impossibilitar o próprio pensamento, ficar dando comandos contraditórios e não conseguir mais processar as ideias.