sábado, 29 de maio de 2010

2090) Conselhos de Raymond Chandler (19.11.209)



(Chandler, por Michael J. Balzano)

Até hoje não sei o que é melhor em Raymond Chandler, se os seus romances policiais ou as suas cartas. A publicação das cartas de gente famosa é uma fábrica de anticlímaxes. Sua única utilidade, em geral, é provar a um zé-ninguém como eu que Fulano e Sicrano também não passavam de zés-ninguéns. Chandler é diferente. Suas cartas têm toda a precisão e originalidade que encontramos em seus livros, além de uma visão do mundo ao mesmo tempo amarga e compassiva. Chandler era um cínico afetuoso, um realista capaz de gestos românticos. E um escritor que sofreu e lutou para chegar a sê-lo.

No blog de Scott Westerfeld (http://scottwesterfeld.com/blog/?p=1889), alguns conselhos de Chandler (que começou a escrever aos 45 anos) aos escritores-em-botão. Numa carta de 1948, diz ele: “Minha teoria é de que os leitores apenas pensam que o que lhes interessa é a ação. Na verdade, embora não saibam, ligam muito pouco para isto. O que os atrai, e me atrai, é a criação de emoção através de descrição e diálogo. O que eles lembram, e que não sai de sua cabeça, não é, por exemplo, que um homem foi assassinado, mas que no momento de ser morto ele estava tentando pegar um clip na superfície polida de sua mesa, e o clip escapulia dos seus dedos, de modo que havia uma contração no seu rosto e sua boca estava entreaberta numa espécie de sorriso tenso, e a última coisa que passava pela sua cabeça naquele instante era que iria morrer. Ele nem sequer escutou alguém batendo à porta. O maldito clip continuava escapulindo dos seus dedos e ele teimava em não querer empurrá-lo até a borda para fazê-lo cair sobre sua mão aberta”.

Esses detalhes circunstanciais tornam uma cena algo único, e portanto algo mais vívido e mais verdadeiro. Leitor burro é inseguro, precisa encontrar a todo instante uma confirmação do que já sabe – se o cara que vai morrer é um milionário, por exemplo, ele não pode estar pegando um clip, tem que estar contando dinheiro, ou algo assim. O leitor inteligente sabe que muitos momentos de nossa vida se concentram assim, em detalhes totalmente insignificantes, que passam a significar não pelo que são, mas pelo foco que nossa atenção lhes concede.

Uma cena notável de Heart of Darkness de Conrad é quando o barco a vapor segue pelo rio e é atacado pelos selvagens; o timoneiro é atingido por uma lança no convés e Marlow, o narrador, agarra-o durante a queda. No momento seguinte ele sente que seus pés estão molhados e quentes, e percebe que está com os sapatos encharcados de sangue. Ele larga o corpo do timoneiro: “Eu estava morbidamente ansioso para trocar meus sapatos e minhas meias. (...) Puxei o cadarço, freneticamente. (...) Arremessei o sapato no rio, por cima da amurada”. Detalhes assim, paradoxalmente, tornam mais real a morte de um indivíduo (pela reação que provocam em outro), muito mais do que uma frase grandiloquente ou uma descrição melodramática.

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