sábado, 29 de maio de 2010
2089) Um cotidiano à fantasia (18.11.2009)
A fotógrafa mexicana Dulce Pinzón abre no fim deste mês uma exposição em Nova York na qual retrata imigrantes mexicanos nos EUA executando trabalhos cotidianos com uniformes de super-heróis. Ela forneceu as fantasias e fez as fotos enquanto os mexicanos trabalhavam. Vai daí que vemos o Homem Aranha pendurado em cordas, limpando pelo lado de fora as vidraças de um arranha-céu; o Tocha Humana no balcão de um restaurante, flambando comida na frigideira; O Coisa empunhando uma britadeira numa construção civil; Batman com uma lanterna, no escuro de um estacionamento, iluminando o caminho para os clientes; o Incrível Hulk descarregando um caminhão de carga; o Super Homem fazendo entregas de bicicleta, a capa esvoaçando ao vento; a Mulher Gato servindo de babá para crianças louras; o Dr. Fantástico, o “homem elástico”, trabalhando de garçon, pegando um prato no balcão com um braço alongado e entregando na mesa com o outro.
Como se vê, as fotos são cuidadosamente ensaiadas e preparadas para “passar uma idéia”, harmonizando o super-poder de cada herói à tarefa de cada trabalhador. Diz a artista que os verdadeiros heróis são as pessoas que trabalham nos serviços simples do cotidiano, recebendo salários baixos e enviando parte deles para ajudar suas famílias na terra natal. As fotos podem ser conferidas aqui: http://tinyurl.com/yjnpewq.
OK, tudo não passa de uma encenação momentânea para produzir uma obra de arte. Mas isso alarga uma fresta importante em nossa cultura, fresta que talvez tenha sido aberta durante a década de 1960, com a Contracultura, o movimento hippie, etc. Naquele tempo, vigorava, na maioria dos países, uma certa padronização de roupas. Tenho fotos de meu pai em Campina Grande na década de 1940: cerca de cinquenta homens, numa solenidade de inauguração, ao ar livre, no pingo do meio-dia, todos eles vestindo ternos brancos. Hoje em dia, se você pegar um ambiente semelhante e pessoas semelhantes, cada um vai estar vestido como lhe apraz: manga de camisa, roupas de todas as cores. Alcancei o tempo em que caixa de banco não podia usar cabelo grande nem barba, e tinha que trabalhar de camisa social branca e gravata. Uma das imagens mais surpreendentes que me lembro de ter visto foi a da linha de montagem de uma fábrica inglesa nos anos 1980: uma porção de operários junto à esteira rolante, aparafusando peças, sendo que um deles é um punk com um gigantesco cabelo moicano pintado de roxo.
Chamo a isto uma tendência irreversível. As pessoas irão cada vez mais carnavalizando seu cotidiano, teatralizando suas indumentárias, indo ao trabalho, aos passeios ou ao cinema com roupas de super-herói ou “de personagem”. Sinais disso são o crescimento exponencial de decorações como piercings, tatuagens, etc. O mundo de daqui a algumas décadas será um baile à fantasia. Vou deixar prontos por aqui meu camisolão e cajado de Profeta.
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