quinta-feira, 20 de maio de 2010
2057) Notas de um alquimista polonês (11.10.2009)
(ilustração: Página do Manuscrito Voynich)
SABER.
Estudar os idiomas, os sistemas, as culturas, as tradições.
Ser capaz de ler a linguagem das vestes, dos gestos, das mobílias.
Perceber as idéias nas entrelinhas das palavras, as intenções inconscientes por trás das idéias, os fatos inacessíveis por trás das intenções.
Olhar um rosto humano e deduzir em um segundo o ricochetear de experiências que desde o nascimento transformaram aquele indivíduo no que é; deduzir os entrechoques futuros a que ele se destina; perceber tudo isto no instante de apertar sua mão pela primeira vez.
Assimilar todos esses processos aos processos íntimos da matéria em sua transmutação, cada elemento e cada substância evoluindo, cada qual no seu ritmo e ao seu modo, rumo à Substância Luminosa em que todos se sublimarão no final dos tempos.
PODER.
Não o substantivo, mas o verbo.
Destinar sua vida a “ser capaz de”.
Ter ao seu alcance as rédeas do real.
Estar no centro do entrecruzar das probabilidades e possibilidades.
Procurar o ponto certo em que baste um mínimo esforço para fazer pender a balança para um lado ou para o outro.
Tornar-se o Senhor da Natureza, para abrigá-la e proteger seu crescimento.
Aproximar-se dos fatos no momento em que entram em torvelinho, e com um pequeno sopro empurrá-los na direção adequada.
Ter a possibilidade de escolha entre ação e omissão, entre criar o fato ou apenas permitir que os fatos se criem a si próprios, rumo à Substância Luminosa em que todos se sublimarão no final dos tempos.
OUSAR.
Ter a coragem de buscar o mais onde há pouco e de buscar o menos quando há muito.
Harmonizar o coro dos descontentes.
Cortar as amarras, queimar as pontes, largar o lastro, ir sem volta.
Esperar durante décadas o impossível no próximo segundo.
Ser capaz de pensar numa só coisa durante o tempo que for necessário.
Não temer a vergonha moral, a dor física, o sofrimento afetivo, o paradoxo do intelecto, a degradação ou a destruição de si próprio ou de quem quer que seja, pois tudo isto se cancelará quando for alcançado o objetivo.
Cortar da própria carne.
Lançar o laço lá em cima e subir por ele, rumo à Substância Luminosa em que todos se sublimarão no final dos tempos.
CALAR.
Manter a alma invisível.
Conter-se e continuar repleto.
Servir sem ser visto.
Crescer para dentro, e passar cada vez mais despercebido lá fora.
Não desferir a seta sem o chamado do alvo.
O silêncio como única arma capaz de neutralizar os sábios, os poderosos, os ousados.
A mudez como pressão sobre a impaciência alheia.
É preciso ficar na sombra e abrir mão da própria luz por ser a única maneira de produzir um sol.
Não ceder à vaidade de imaginar-se alguém, de supor que é possível ser alguém e ter uma Obra.
Não ter rosto, não ter nome, não deixar lembrança nenhuma a não ser a Obra.
Dissolver-se na paz do Nada para não diluir a Obra, e partir rumo à Substância Luminosa em que todos se sublimarão no final dos tempos.
(Este conto está incluído no livro A Nuvem de Hoje (Campina Grande, Editora da UEPB, Selo Latus, 2011)
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