segunda-feira, 3 de maio de 2010

1988) “O Clube do Filme” (23.7.2009)



Este simpático livro do canadense David Gilmour (nenhuma relação com seu xará que toca no Pink Floyd) fala da curiosa solução que ele encontrou para lidar com um filho adolescente que não queria estudar, não queria ir à escola, fumava feito uma caipora, e vivia roendo pela namorada. Quando o garoto, Jesse, começou a ser reprovado, ele – que trabalhava como crítico e roteirista de cinema – propôs um acordo: “Tudo bem, você larga a escola, dorme até a hora que quiser. Mas com duas condições: nada de drogas, e toda semana vai ter que assistir e debater três filmes escolhidos por mim”. Trato feito, e o livro se desenrola a partir daí.

É típico que o primeiro filme escolhido por Gilmour tenha sido Os Incompreendidos de Truffaut, a crônica dos garotos rebeldes, perdidões, fundamentalmente sinceros, revoltados com a hipocrisia dos adultos e os rituais idiotas a que estes os obrigam. Mas o gosto de Gilmour é eclético. Entre as centenas de filmes vistos e debatidos com o filho estão faroestes italianos, filmes-cabeça, policiais “noir” dos anos 1940, musicais da Metro, comédias adolescentes bobas, ficção científica, thriller, histórias românticas... Com sabedoria, Gilmour não tenta empurrar doses de Cinema de Arte e de adaptações dos clássicos para compensar a interrupção dos estudos do filho. Ele sabe que o garoto precisa de motivação para encarar o mundo, precisa conversar, precisa esquecer as dores-de-cotovelo (o garoto vive se apaixonando pelas meninas erradas), e que qualquer filme pode ser a porta para uma discussão que vai dar sempre nos mesmos lugares.

Nunca li nada de Gilmour, mas fiquei curioso pelas suas críticas cinematográficas. Seu gosto difere muitas vezes do meu, mas me senti menos culpado por gostar de Uma Linda Mulher quando o vi dizer que “não existe no filme uma cena verossímil sequer, mas é uma história tão envolvente, contada de forma tão eficaz, com uma cena agradável atrás da outra, que mesmo sendo um filme idiota ele prende a atenção”. Ele e o filho se envolvem em conversas ping-pong (“— O que tornava um filme bom, segundo Howard Hawks? – Três cenas boas e nenhuma ruim”). Ele cria módulos (conjuntos de filmes semelhantes) a que chama de “Tesouros Enterrados” ou “Prazeres Culpados”. O filho cresce, torna-se compositor de rap, ganha e perde garotas e empregos. Os anos passam, e o “clube do filme” continua a ser o espaço que os dois têm para discutir tudo, principalmente sexo, drogas, rock-and-roll e cinema.

O livro é interessante também porque revela certa distâncias culturais inevitáveis. Algumas atitudes do pai canadense nos parecem absurdas ou ingênuas; algumas de suas angústias são por coisas que um pai brasileiro tiraria de letra, aplicando um “cascudo” no transgressor e pronto. Mas não se discute sua coragem em tomar para si (e para o cinema) a tarefa de educar mais um garoto que a escola (e seu sistema paleolítico de “matéria que cai na prova”) perdeu.

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