segunda-feira, 3 de maio de 2010
1989) Drimtim (24.7.2009)
(ilustração de Poty para Sagarana)
Num artigo recente no Globo, Luís Fernando Veríssimo usou essa expressão para se referir ao famoso “Dream Team” do basquete norte-americano, e, por extensão, a todos os times dos sonhos que são montados de vez em quando por clubes de diferentes esportes. Não vou falar dos times, falarei aqui da palavra, que me causou uma estranhezazinha quando a vi escrita pela primeira vez, mas logo em seguida entrou pela porta entreaberta do meu dicionário, escancarando-a, abancou-se na sala com um suco de laranja em punho, e a esta altura já vai com não-sei-quantos acessos.
Os brasileiros somos especialistas nesses atalhos fonéticos. Pegamos a pronúncia de uma palavra estrangeira e a escrevemos da maneira mais direta e tupiniquim possível. E aí estão palavras intensamente nossas como gol, buquê, chofer, lasanha, filme, matinê, uísque, chucrute... Eu mesmo vivo propondo aqui nesta coluna a grafia “saite” em vez de “site”. Quando pegar, passarei a propor “mause” em vez de “mouse” (não sei se pega, porque neste caso tem uma contaminação com “Mauser”, a pistola alemã que qualquer leitor de livros de espionagem conhece desde criancinha).
“Drimtim” pode contar, aliás, com um precedente parcial que muito o honra. Peguem seu Sagarana, vão até o trecho imortal sobre os “reis leoninos”, a aqueles dois longos parágrafos que equivalem a uma profissão de fé literária de Rosa, começando em “Sim, que, à parte o sentido prisco...” até “...escrevi no bambu”. Rosa sugere que diante de um gravatá, a gente sente uma comoção tão grande que dá vontade de chamá-lo “drimirim” ou “amormeuzinho”. Drimirim, amigos, não é mais do que dream + mirim, palavra inglesa e palavra indígena: meu pequeno sonho, meu sonhozinho. Uma palavra híbrida que pode parecer teratológica aos filólogos mais eugenistas, mas que em termos de sonoridade poética bem que podia fazer-se, logo, bem nossa e coletiva.
“Drimtim”, ou “drimtime”, é a mesma coisa. Talvez a única objeção técnica ao seu uso seja o fato de que ela não segue a formação espontânea da língua. Por esta, temos que colocar a nasalização bilabial (o “m”) somente antes das consoantes bilabiais (o “b” e o “p”), reservando para as demais o “n”. Essa questão da formação espontânea da língua – os modos portugueses/brasileiros de encadear os sons – é importante. É uma visão de cada língua como um organismo diferente dos demais, e é algo que deve ser preservado. Mas se já recebemos de volta as letras K, W e Y, não vejo problema em acolher uma nasalizaçãozinha que foge um pouco ao padrão. Porque, convenhamos, dizer “drintim” não seria a mesma coisa.
A palavra pega? A palavra não pega? Não sei, mas gosto de acompanhar o crescimento das palavras, das plantas e das nuvens. E se falei alguma barbaridade, que me perdoem os glossopedistas e os filólogos, mas minha entrada preferida no templo do idioma é por uma janela quebrada que tem na ala esquerda do almoxarifado.
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