sábado, 13 de março de 2010

1786) A moral na FC (29.11.2008)



(Ursula Le Guin)

Na coluna de Roberto Causo no “Terra Magazine”(http://tinyurl.com/yf2zvhv)leio, a propósito de um romance de ficção científica militarista, esta citação de Ursula K. Le Guin: "Onde a FC mais freqüentemente fracassa como literatura, como boa escrita ou boa obra por qualquer definição, é na questão ética. Ela é inventiva, intelectualmente engenhosa, mas moralmente trivial; e portando falha, insensatamente, de ato em ato, de violência em violência. O que poderia ter sido dramático é meramente teatral, o que poderia ter sido imaginativo é uma fantasia estereotipada. Rocha e ferro, carne e sangue, se tornam brinquedos de plástico, e o Espaçotempo em si, o grande tema, encolhe para a mediocridade de um cenário de estúdio de TV."

Le Guin é a maior voz feminina da ficção científica, e olha que há muitas. Suas idéias são sempre sensatas, e poucas tanto quanto estas. De certo modo, LeGuin se aproxima do que Thomas M. Disch afirmou certa vez, que a ficção científica era um subgênero da literatura infantil. Isto levantou uma gritaria enorme nos arraiais da FC, mas o exagero de Disch era o exagero da caricatura, que aumenta e torna visível algo que já existia e era característico.

A FC é uma literatura típica de adolescentes quando visa à excitação da aventura, da intensa ação física, da curiosidade pelo desconhecido, do questionamento intelectual do tipo “quem somos, de onde vimos, para onde vamos”. Tais desafios são típicos da adolescência, tanto quanto a socialização, a inserção em grupos, a arte de conviver em tribos. Há uma parte considerável da FC cujas histórias, personagens e heróis se voltam para essa faixa mental (não chamo de “faixa etária” porque isso se prolonga até a velhice).

As revistas de FC nos anos 1930 pareciam os video-games de 2000. O excesso de ação física e violência se sobrepõe às escolhas morais, que se tornam rasas, oportunistas, imediatistas, egocêntricas. Os video-games ensinam a crueldade sem ensinar a coragem. A coragem só pode ser aprendida diante de desafios e perigos reais, situações que exijam sacrifícios dolorosos e responsabilidades verdadeiras. Algo ausente nos jogos, onde pode-se inclusive morrer e começar tudo de novo, como se a própria morte nunca tivesse ocorrido.

A sem-cerimônia com que a violência é tratada na FC de hoje tem origem nisto. Escritores jovens e talentosos, filhos da classe média, que nunca tiveram que enfrentar problemas de sobrevivência, de adaptação num meio hostil, nunca tiveram que começar a trabalhar cedo, nunca fizeram grandes sacrifícios... E eles se divertem falando de canibalismo, mutilações, massacres, serial-killings, tortura e assim por diante. Vivem num mundo virtual, na proteção de um apartamento em condomínio. Temem a violência, porque se sabem despreparados para enfrentá-la. E a exorcizam através de jogos ou livros em que parecem estar gritando: “Eu não tenho medo disso! Eu não tenho medo disso!”

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