terça-feira, 2 de março de 2010

1731) Machado: o Sonhador Pródigo (28.9.2008)




É um personagem que aparece de forma recorrente nos contos de Machado. Tem tintas de cientista louco, como o Dr. Bacamarte de “O Alienista”. 

São, todos eles, intelectuais de província com sua típica mistura de ingenuidade, megalomania e semi-informação. Enredam-se em teorias abstrusas, fazem descobertas espantosas a que ninguém dá atenção, reinventam a roda e a pólvora. Monomaníacos, excêntricos, simpáticos, todos com um grau a mais de intensidade mental e um grau a menos de pés-no-chão.

Como o Dr. Jeremias Halma de “O Lapso” (em Histórias sem data, 1884): “Viajara muito, sabia toda a química do tempo e mais alguma; falava correntemente cinco ou seis línguas vivas, e duas mortas. Era tão universal e inventivo, que dotou a poesia malaia com um novo metro, e engendrou uma teoria da formação dos diamantes”. 

O Dr. Jeremias em nada fica a dever ao Cônego Fulgêncio, de “Ex Cathedra” (no mesmo livro): “Um dia, acordando com a idéia de melhorar a condição dos turcos, redigiu uma constituição, que mandou de presente ao ministro inglês, em Petrópolis. De outra ocasião, meteu-se a estudar nos livros a anatomia dos olhos, para verificar se realmente eles podiam ver, e concluiu que sim”.

Em “Um esqueleto”, alguém nos refere o Dr. Belém: “Compusera um romance, e um livro de teologia, e descobrira um planeta. (...) Veio à corte para imprimir os dois livros, mas não achou editor e preferiu rasgar os manuscritos. Quanto ao planeta comunicou a notícia à Academia de Ciências de Paris; lançou a carta no correio e esperou a resposta; a resposta não veio porque a carta foi parar a Goiás”. 

Ria, leitor, porque são desgraças fictícias; mas cesse de rir quando lembrar os destinos reais de Hercules Florence, que inventou a fotografia no Brasil, e do Padre Landell de Moura, que inventou a telefonia sem fio. Nem mesmo no Brasil há quem os conheça.

O protagonista de “A Idéia do Ezequiel Maia” (na Gazeta de Notícias, 1883) era capaz de abstrair-se do próprio corpo e fazer viagens mentais: “No quarto mês empreendeu um estudo que lhe comeu cinqüenta e seis dias: achar a filiação das idéias, e remontar à primeira idéia do homem. Escreveu sobre este assunto uma extensa memória, em que provou a todas as luzes que a primeira idéia do homem foi o círculo”. 

Igualmente infatigável é o Xavier de “O Anel de Polícrates” (em Papéis Avulsos, 1882): “Era um endiabrado, um derramado, planeava todas as cousas possíveis, e até contrárias, um livro, um discurso, um medicamento, um jornal, um poema, um romance, uma história, um libelo político, uma viagem à Europa, outra ao sertão de Minas, outra à lua, em certo balão que inventara, uma candidatura política, e arqueologia, e filosofia, e teatro, etc., etc. Era um saco de espantos”. 

São os criadores sem foco, os talentosos sem método, os inspirados sem persistência. Os milhares de gênios em botão que se ressecam e estiolam na periferia do capitalismo.






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