quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
1671) A Comilança (20.7.2008)
Do meu tempo de faculdade, lembro de aulas sobre “stakhanovismo”. Stakhanov era um operário-padrão na ditadura estalinista na União Soviética. A URSS vivia se esfalfando para sair de uma economia feudalista e competir com o capitalismo norte-americano. Era preciso industrializar o país da noite para o dia, era preciso bater recordes de produção, era preciso criar uma mitologia da produtividade.
Alexei Stakhanov (1906-1977) era um desses caras resolutos e obstinados que um belo dia decidem entrar para a História. Trabalhava numa mina de carvão, e era bombardeado pelas mensagens de incentivo do Partido Comunista: “Trabalhe! Produza! Vamos mostrar a esses porcos capitalistas que somos melhores do que eles!” Em agosto de 1935, Stakhanov extraiu sozinho 102 toneladas de carvão em pouco mais de cinco horas de trabalho. Era um recorde extraordinário, cerca de 14 vezes a quota que se esperava de um operário comum. Em setembro, ele foi mais adiante: extraiu 227 toneladas num único turno de trabalho. Virou herói nacional na URSS e, de certa forma, também nos EUA, pois apareceu na capa da revista “Time” em dezembro daquele ano.
O que é isto? A ilusão comunista? Não, amigos, apenas a doença mais característica de nossa época, o Delírio Quantitativo, que, por pertencer à época, não liga para sutilezas como regime político ou econômico. É algo que vai mais longe e mais fundo. Num século de explosão populacional, de intenso apelo à produtividade/consumo, e de comunicações instantâneas, sempre importa saber quem é o Mais, o Melhor, o Maior. São os parâmetros instintivos do Espírito do Tempo, da religião do Número.
Stakhanov é o herói típico da economia comunista, e não duvido que na China de hoje haja praças e estátuas em sua homenagem. Já no hemisfério capitalista, o Delírio Quantitativo se manifesta de formas mais heterogêneas. O Livro Guiness dos Recordes, por exemplo, não passa de um catálogo, atualizado anualmente, dos stakhanovs do entretenimento, do lazer, da banalidade. A produtividade soviética sempre teve o perfil ascético dos que trabalham por um abstrato Bem Coletivo, enquanto a produtividade norte-americana parece endeusar o concretíssimo Bem Individual. Os soviéticos se orgulham dos seus recordes de trabalho e produção; os americanos, dos seus recordes de lazer e consumo.
Vai daí que dias atrás um tal de Joey Chestnut recebeu um prêmio de 10 mil dólares por ter comido 59 hot-dogs em dez minutos. A prova existe desde 1946. Chestnut empatou com o recorde do japonês Takeru Kobayashi, mas conseguiu comer cinco salsichas a mais, e venceu no desempate. Os norte-americanos adoram concursos de comilança. Assim como os soviéticos se julgavam na obrigação de produzir mais do que a média da humanidade, para provar a superioridade do regime comunista, os EUA se julgam na obrigação de consumir mais do que a média mundial, para provar a superioridade do seu sistema. Quem duvidar, vá aqui: http://eatfeats.com/.
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