sábado, 30 de janeiro de 2010

1591) Walt Whitman (18.4.2008)




Ele está pouco em evidência hoje, mas houve um momento em que era O Maior Poeta Do Mundo. Confesso que nunca foi um dos meus preferidos. Sua voz poética se derrama em versos excessivamente longos, e cai na tentação das enumerações infindáveis, o que dá à sua poesia um certo tom catalográfico. 

Walt Whitman não é uma gruta de Ali Babá, cheia de pedras preciosas engastadas em jóias de fina ourivesaria. É uma Serra Pelada, uma cordilheira cheia de ouro e diamantes, mas é preciso cavar para encontrá-las, porque o entulho é grande.

Quem escreveu um poema chamado “Saudação a Walt Whitman”? Acertou quem disse Fernando Pessoa, que dele extraiu o verso longo e a voz declamatória de Álvaro de Campos, superiores aos do próprio Whitman. Whitman abrigava multidões em si, mas sua voz era uma só. Fernando era muitas pessoas. Corrigiu os excessos do mestre, cujo espírito indomável mudou-lhe a vida: 

“Abram-me todas as portas! / Por força que hei de passar! / Minha senha? Walt Whitman... / Mas não dou senha nenhuma… / Passo sem explicações... / Se for preciso meto dentro as portas...”

Quem escreveu “Ode a Walt Whitman”? Acertou quem disse Garcia Lorca, que em seu livro atípico O Poeta em Nova Iorque dizia: 

“Nem um só momento, velho e formoso Walt Whitman, / deixei de ver tua barba cheia de mariposas, / nem teus ombros de veludo gasto pela lua, / nem tuas coxas de Apolo virginal, / nem tua voz como uma coluna de cinza”... 

Para esses poetas de alma feminina, Whitman era uma poderosa imagem sexual, com seu corpo de lenhador, suas barbas grisalhas de profeta, sua intenção explícita de ser todos os homens e todas as possibilidades do Homem.

A fama de Whitman se deve em partes iguais a seu verso sem rédeas (alguns o consideram o verdadeiro inventor do verso livre, sem métrica), ao seu espírito democrático e americaníssimo, e à persona máscula e homossexual que criou, e que encantava aos homens e às mulheres por igual. 

Jorge Luís Borges, em suas memórias, afirma: “Por algum tempo achei que Whitman era não só um grande poeta como também o único, e que era uma prova de ignorância não imitá-lo”. Poemas como “Buenos Aires”, “Os Gaúchos”, “Outro Poema dos Dons”, etc. são testemunhos dessa fase.

Para Borges, Whitman soube inventar para si mesmo um personagem de “ilimitada e negligente felicidade”. Borges considerava que Whitman forjara conscientemente (quase como estratégia de marketing, diríamos hoje) esse ideal viril, ao mesmo tempo heróico e erótico. 

No ensaio “Valéry como símbolo” (em Outras Inquisições) ele compara esse projeto whitmaniano ao de Paul Valéry, de ser O Intelectual. Em “O outro Whitman” (em Discussão) Borges ironiza essa imagem de “um varão meramente saudador e mundial”. Vê em Whitman “um homem de invenção infinita, simplificado pela visão alheia em mero gigante”, e transcreve poemas curtos em que o poeta exibe uma faceta mais intimista. 

Maiakóvski, Ginsberg, Vinícius, ninguém passou incólume sob a sua sombra.






Um comentário:

Thiago disse...

tampouco eu passei incólume, e agora tou naquela fase de ver o sol despontar novamente.