quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

1547) Altimar Pimentel (27.2.2008)



Como quase sempre acontece, conheci a obra de Altimar Pimentel bem antes de conhecer a pessoa. Aos vinte e poucos anos de idade eu estava descobrindo a cultura popular nordestina com os olhos deslumbrados de um Marco Polo que vê a China pela primeira vez. Em cada curva do caminho eu me deparava com um castelo gigantesco, uma floresta que encostava no céu, um lago maior que um oceano. Parecia não haver limite para aquela criatividade que borbotava sem parar através de versos, cantigas, histórias, encenações, folguedos, danças – tudo isto feito por escritores que não sabiam ler nem escrever, músicos que não liam partitura, instrumentistas que fabricavam seus próprios instrumentos, atores que todo dia eram obrigados a redescobrir a roda, a pólvora e a bússola.

Caiu-me nas mãos um exemplar de O Mundo Mágico de João Redondo (SNT, 1971), em que Altimar transcreve dez peças de mamulengo gravadas por ele na Paraíba nos anos 1960. Eu tinha visto (sem prestar maior atenção) algumas peças de mamulengo na infância, e posso dizer que descobri esse mundo no livro em que Altimar registrava com fluência tudo que caracteriza a criação oral improvisada: as repetições, as frases truncadas, as idas e vindas, os blocos de texto decorado intercalando-se aos diálogos espontâneos com a platéia, os fragmentos inteiros de uma história transpostos para outra por necessidade momentânea, os erros e correções em voz alta, os improvisos...

Altimar tem sua obra teatral própria, inspirada nesses criadores populares, como também o fizeram Ariano Suassuna, Luiz Marinho, Vital Santos e tantos outros. Mas para mim, que virei um cascavilhador da Literatura Oral, foram suas pesquisas e recolhas de textos que revelavam, a cada livro publicado, mais uma camada oculta dessa cordilheira de histórias que constitui a Paraíba, invisível para os que todos os dias caminham sobre ela olhando noutra direção. As Estórias de Cabedelo (v. “Beleza medonha”, 1.1.2004), as Estórias de Luzia Tereza, em que são registradas centenas de histórias-de-trancoso de uma paraibana anônima e fenomenal, os Contos Populares de Brasília (1998), um belo raio-X no imaginário dos candangos, os Contos Populares Brasileiros – Paraíba (1996, juntamente com Osvaldo Trigueiro) e tantas outras coletâneas.

Pesquisar literatura oral é como fotografar nuvens. É relacionar-se com algo que está fora do nosso alcance, que ignora a nossa existência e que muda o tempo todo. Registrar essas “literaturas da voz” não significa cristalizá-las, emoldurá-las, asfixiá-las no âmbar ou no formol. Ninguém imobiliza a cultura oral. O que Altimar fez foi fotografar no preto-e-branco da página esse espírito criativo de um povo. Precisaríamos, para dar conta do que a Paraíba tem, para que essa imensa herança não se perdesse por completo, de uns dez mil indivíduos como Altimar Pimentel. O fato de termos tão poucos os torna cada vez mais preciosos.

Um comentário:

maria disse...

Preciso saber se Altimar Pimentel escreveu o texto A FEIRA e como consegui-lo