quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
1544) Minha vida em apenas seis palavras (23.2.2008)
Já falei aqui (“Contos com 6 palavras”, 26.4.2007) sobre os contos de seis palavras, um desafio inspirado no miniconto de Ernest Hemingway: “For sale – baby shoes, never worn” (“Vende-se – sapatinhos de bebê, sem uso”). (O conto nem é dele, mas isso é outra história.)
A revista online Smith lançou para seus leitores um desafio parecido: contar em seis palavras a própria vida. As respostas foram muitas e variadas.
O quesito verossimilhança ficou um pouco fora de questão, pois os editores não poderiam checar caso a caso se o que cada colaborador afirmava de si próprio era verdade ou não – mas isto é o que menos importa. Você conseguiria resumir tudo em seis palavras?
Tentar a gente tenta. Algumas sínteses são cronológicas e bem-humoradas, como a de Dick Hadfield: “Feto, filho, irmão, marido, pai, vegetal”.
Outras são visualmente eficazes: “Cabeça entre livros, pés sobre flores” (Heather Thomson).
Outras são pessimistas até a medula, como a auto-avaliação de Patsy Wheatcroft: “Época errada. Classe errada. Sexo errado”.
Outras otimistas, como a de Peter Elvish: “Companheira fiel, amor, risadas... e agora?”
Tem uma que dá um calafrio incômodo: “Quatro casamentos, três filhos, depois câncer” (Gillian Johnson). E outra com um sabor de volta-por-cima: “Atropelada duas vezes, felizmente ainda viva” (Trudi Evans).
Steve MacMullen impressiona pela sobriedade e ausência de ambição: “Desposei namorada de infância. Filhos. Contente”.
Na verdade não se trata de esperar dos colaboradores uma pequena façanha literária, apenas um poder de síntese satisfatório. Um tal de Patric se resume: “Nasci londrino, vivi fora, morri dentro” (no original: “Born London, lived elsewhere, died inside”).
Jane Kirk demonstra bom humor: “Príncipe no cavalo branco nunca apareceu”. O desabusado C. North afirma: “Nenhuma nota dez, mas virei milionário”. O esperançoso Sunny Tailor pergunta: “Alguma chance de começar de novo?”
E John Ball confessa com resignação: “Trabalhei toda vida, ainda pago impostos”.
E Alexandra Lackey diz: “Nada de romance tipo Jane Austen”.
Quem quiser ver mais pode visitar o saite em: http://www.bbc.co.uk/radio4/today/reports/misc/sixwordlife_20080205.shtml.
O requisito de que o texto seja autobiográfico é o de menos, porque na verdade o exercício consiste em aplicar nosso poder de síntese a qualquer assunto. Em oficinas literárias ou de roteiro, uma tarefa recorrente é: “Conte sua história em uma frase, depois em um parágrafo, depois em uma lauda, depois em dez laudas”. Quem for capaz de manter a exatidão e a coerência nessas etapas, provavelmente será capaz de escrever um roteiro de 120 páginas.
A concisão é uma virtude em declínio nesta época de espaço ilimitado no mundo eletrônico. Antigamente, escrevíamos pensando no número de toques por linha (eram 70) e no número de linhas por lauda (eram 30). Compactar qualquer história em seis palavras nos traz de volta um pouco dessa antiga disciplina.
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Um comentário:
Pode brincar também ou é só pra gente grande?
"Por enquanto, tudo bem: dá medo."
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