Existe um princípio básico, uma lei não-escrita no mundo literário, que diz, mais ou menos: “Coincidências são permitidas e aceitáveis na vida, porque se devem ao Acaso. Elas não devem ser estimuladas ou mesmo toleradas na literatura, porque em geral acontecem para poupar trabalho a um autor preguiçoso”.
Não são poucos os livros policiais nos quais o crime só é resolvido porque o detetive ia passando por baixo de uma janela e ouviu casualmente uma conversa que o pôs na pista do verdadeiro assassino.
Alguns exemplos chegam a ser patológicos, como aquela novela da TV Globo na década de 1980 em que um crime misterioso acontece e vai sem solução até o último capítulo. E na noite final a polícia resolve examinar mais uma vez a cena do crime (ocorrido semanas atrás) e ali descobre a carteira de identidade do assassino, que a deixou cair no momento da fuga!
Saiu na imprensa esta semana uma notícia curiosa que veio enriquecer o Melodrama da Vida Real.
A vietnamita Tran Thi Kham nunca conheceu seu pai, que engravidou sua mãe e depois foi embora, deixando de lembrança um anel de ouro e uma fotografia. A mãe morreu logo em seguida, e ela foi criada por uma tia. Quando ficou adulta, ficou sabendo a história completa de sua origem, e a tia lhe entregou os dois objetos. Ela sabia apenas que seu pai era de Taiwan, e tinha se relacionado com sua mãe em Hong Kong.
Tran partiu para Taipei (capital de Taiwan) para tentar encontrar seu pai. Arranjou emprego cuidando de uma mulher doente, enquanto realizava buscas infrutíferas pela cidade. Depois que a patroa morreu, ela largou o emprego e transferiu-se para a ilha de Kinmen. Depois de chegar lá, descobriu que deixara na casa de seus ex-patrões alguns objetos, entre eles o anel e a foto do pai.
Pediu ajuda à polícia de Kinmen para contatar seu ex-patrão. Quando este fez uma busca no quarto que ela ocupara, encontrou os objetos – e se reconheceu na foto. Era ele o pai que Tran Thi Kham tinha procurado durante todo o tempo!
Se isso acontecesse numa novela da Globo, provocaria risinhos de mofa em muitos espectadores, a começar por mim. Quando acontece na vida real, dá o que pensar.
A primeira coisa em que fico pensando é no fato de Tran Thi Kham ter morado durante meses com esse casal idoso, enquanto fazia suas buscas, e nunca ter comentado com eles nada que pudesse revelar a verdade. A que se deve isto? Distância de classe social? Temperamento introvertido dos orientais?
Não sei, mas é espantoso, como é espantoso o fato de que numa cidade como Taipei (2 milhões e 600 mil habitantes) ela ter ido parar justamente na casa da pessoa que procurava. Para não falar no “lapso freudiano” de esquecer ali os seus preciosos objetos, obrigando o ex-patrão a encontrá-los e reconhecê-los. São fatos assim que dão ao autor de melodramas o maior dos álibis: “Não estou inventando nada. Isto acontece na vida real”.
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