quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

1519) Gramiro de Matos (25.1.2008)




Na minha estante dedicada aos autores fora-de-esquadro, àqueles que não se encaixam com facilidade em estilos, movimentos ou épocas, guardo com carinho e curiosidade o livro Os Morcegos Estão Comendo os Mamãos Maduros (Rio: Eldorado, 1973), assinado por Gramiro de Matos, autor baiano nascido em 1944. 

É seu segundo livro e seu segundo nome, porque a primeira obra, Urubu Rei (Rio: Gernasa, 1972) foi assinada por Ramirão Ão Ão. Tem muita poesia essa história de assinar cada livro com um nome novo! 

O estilo de Ramiro Silva Matos (seu pálido nome oficial) é um dos pontos altos da prosa-poesia beat-tupiniquim, concreto-psicodélica, rock-joyceana, cultivada com furor por algumas dezenas de malucos durante os anos 1970. Gramiro previne nas páginas iniciais: 

“Os dessemelhantes tipos de leitores deverão contentar-se com as transformações ilimitadas que tenta uma narrativa ligada à atividade mental variável – não apenas uma linguagem que apresente o mundo, mas a metamorfose do mundo inconsciente em movimento”.

A filiação linguística do livro é deixada explícita por citações diretas que emergem aqui e acolá no texto fragmentado do romance: Anthony Burgess (Laranja Mecânica), Sousândrade, James Joyce, João Ubaldo Ribeiro, Waly Sailormoon. 

O autor admite que o romance não tem propriamente um enredo e que as páginas estão “soltas no espaço”, o que aliás não importa muito, porque cada uma delas é uma combinação de achados brilhantes, cascalho bruto do linguajar cotidiano, imagens violentamente surrealistas, proliferação incontrolável de termos indígenas, interferências semânticas e ortográficas, fragmentação tipográfica do fluxo do texto.

O livro conta várias histórias de amor e farra entrelaçadas, sendo a principal delas a que envolve os personagens denominados O Besta e A Doida. Outros personagens têm nomes curiosos como Fhedra, Don Xenaldo, Bavy, Kilânio, Finado Bufa, Perilampo. 

Eles bebem em botequins, amam-se nas areias da praia, questionam o Universo em janelas de apartamentos, fazem bobagens, têm alucinações, escutam música tropicalista.

O livro tem capa de Mixel, texto de Jorge Amado na contracapa, pós-escritos de Silviano Santiago, Affonso Romano de Sant’Anna e Laís Corrêa de Araújo, todos com apreciações críticas de Urubu Rei

Gramiro teve impacto na época, mesmo que esse impacto não tenha lhe rendido uma visibilidade contínua como a de que desfrutou seu companheiro de geração e de estilo, Waly Sailormoon (ou Salomão).

É uma obra difícil? Não por falta de explicações, como esta, irretocável, à página 142: 

“Neste’mpo fora do corpo, na cabeceira da cumieira mesa-telha-planeta, ou s’esmaga ou decepa a cabeça da serpente y da semente, Finado Bufa livre do’sequazes’orri escorrendo em sangue fantasmagórico pelo chão di azulejos medievais antiazuis indo juntar seu pensamento motor transmissor numa molécula captora-voadora doutr’semente’semelhantes da consciência cósmica pós-consciente”. 

Precisa mais?





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