sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

1446) A economia de Zinaldo (1.11.2007)


Eu comparo o Capitalismo Selvagem a uma floresta tropical, onde florescem as espécies animais e vegetais mais improváveis. O Capitalismo é aquela “selva selvaggia” lembrada por Dante, em cujo interior um poeta extraviado acaba encontrando o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Ou seja: tem de tudo. Com a Divina Comédia, o poeta de Florença inculcou na nossa cultura o interessante conceito de que o Paraíso existe, mas para chegar a ele é preciso passar pelo Inferno. Tem gente que, por medo desse estágio intermediário, acaba recuando e refugiando-se no limbo do ateísmo. Questão de escolha.

Vejam o que é escrever de improviso – eu fico falando em Dante Alighieri quando meu propósito era falar sobre Zinaldo, que estudou comigo no Estadual da Prata e a quem encontro vez por outra quando retorno a Campina. Zinaldo está hoje mais gordo e menos grisalho do que eu. Sempre de bom humor, freqüenta o Miúra nos fins de semana e o Chope do Alemão após o expediente na repartição pública onde bate ponto. Ganha pouco, sustenta mulher e três filhos, e vive numa economia na ponta do lápis, uma balança de ourives capaz de registrar a entrada ou a saída de cada centavo.

Zinaldo é chamado pelos amigos de “amarrado”, “unha-de-fome”. Dizem que se ele agarrar um Alka-Seltzer e pular numa piscina o comprimido não corre o menor risco, porque ele não abre a mão nem por um decreto. Usa há dez anos as mesmas camisas e os mesmos sapatos. Quando chega a conta no bar, diz: “Vou pagar uma cerveja...” e os amigos pagam o resto, porque o adoram. No aniversário de sua mãe, Dona Zilda, leva-a ao shopping e paga-lhe uma banana-split.
Acontece que Zinaldo, vivendo nessa corda-bamba financeira, não resiste a uma liquidação. Quando vê uma dessas vitrines anglófilas anunciando: “SALE – 50%!!!” ele entra de imediato e compra um cinto, uma meia. Pega livros em bibliotecas e os xeroca, porque sai mais barato que comprar o livro. Copia todos os DVDs das locadoras, porque sai mais barato pagar 1 real no DVD virgem do que 20 ou 30 no filme propriamente dito. Promoção é com ele mesmo. Quando aparece na Internet uma campanha de passagem aérea “por 50 reais” ele parcela em doze vezes no cartão uma passagem para Foz do Iguaçu ou para a serra gaúcha, viagens que não estavam nos seus planos. Tudo para fazer economia.

Na última vez em que bebemos juntos, no Ceboleiro, Zinaldo pegou um guardanapo e me fez um retrato aterrorizante de sua situação financeira. Ponderei que ele acabava gastando mais do que devia, seduzido pela possibilidade de estar gastando pouco. Disse-lhe que quando um produto de 200 reais é oferecido por 50 é porque deve ter custado 30, e o lojista abriu mão do lucro delirante para garantir uma margem mais realista. Disse-lhe que esse Capitalismo acha mais prático tirar um real de 50 milhões de pessoas do que 50 milhões de reais de uma pessoa só. Zinaldo não entendeu. Ou não acreditou.

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